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35 anos do ECA: o desafio do ambiente digital

Desde sua criação, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representa uma das maiores conquistas da legislação brasileira na garantia dos direitos humanos. O ECA consolidou o princípio da proteção integral, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não mais como meros objetos de tutela. Essa mudança de paradigma marcou profundamente as políticas públicas e a forma como a sociedade passou a compreender a infância e a juventude.

Entre os primeiros avanços, destacou-se a criação dos Conselhos Tutelares, órgãos encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente em cada município. Outros avanços significativos ocorreram nas décadas seguintes. A Lei da Adoção, em 2009, tornou o processo mais transparente, priorizando o convívio familiar e evitando longas permanências em abrigos. A Lei Menino Bernardo, em 2014, proibiu castigos físicos e tratamentos cruéis, reforçando o direito de crianças e adolescentes à integridade física e psicológica. 

Contudo, com o avanço acelerado da tecnologia e o aumento do acesso de menores à internet, surgiu uma nova fronteira de risco: o ambiente digital. Redes sociais, jogos on-line, aplicativos e plataformas passaram a exercer influência direta sobre o comportamento, a saúde mental e a segurança das crianças e adolescentes. Diante desse cenário, o Brasil deu um passo histórico com a recente criação do ECA Digital – Lei nº 15.211/2025. Essa atualização moderna estendeu a proteção do Estatuto ao espaço virtual, reconhecendo que a cidadania digital é uma dimensão essencial da vida contemporânea.

O ECA Digital traz uma série de inovações e obrigações para empresas e plataformas digitais. Ele determina que qualquer serviço de tecnologia — redes sociais, aplicativos, sites, jogos on-line ou ferramentas de comunicação — deve adotar configurações de privacidade por padrão, garantindo o máximo de segurança para crianças e adolescentes. Além disso, proíbe o uso de dados pessoais de menores para publicidade direcionada e exige mecanismos de verificação de idade confiáveis, substituindo a antiga prática da autodeclaração. As plataformas também devem oferecer ferramentas de supervisão parental, permitindo que pais e responsáveis monitorem e controlem o acesso dos filhos a determinados conteúdo.

Outro avanço importante é a proibição de conteúdos e práticas nocivas, como pornografia, jogos de azar, incitação à violência, ao suicídio ou ao uso de drogas. A lei também proíbe o uso de “caixas de recompensa” em jogos eletrônicos voltados para o público infanto-juvenil, reconhecendo os riscos de vício e exploração econômica associados a esse tipo de recurso. Em casos de violação grave, as plataformas poderão ser multadas, advertidas ou até suspensas, sob fiscalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Se em 1990 o desafio era tirar as crianças das ruas e garantir acesso à escola e à saúde, hoje o desafio é protegê-las no ambiente digital, garantindo que o desenvolvimento tecnológico não comprometa sua segurança, privacidade e bem-estar emocional. 

Cumpre registrar, a Igreja Católica, também se manifesta sobre a proteção de menores na era digital. O Papa Francisco, na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais (2023), alertou para os perigos das redes sociais e pediu educação digital responsável: “As novas tecnologias devem servir à pessoa humana e nunca reduzi-la a um produto ou a um dado. As crianças e os jovens precisam ser acompanhados com sabedoria no uso do mundo digital.” O Vaticano promoveu inclusive o documento “Protegendo a Inocência: o desafio da era digital” (2019), em que defende a criação de ambientes digitais seguros, a formação ética de empresas de tecnologia, a educação digital nas famílias e escolas e a cooperação global para eliminar conteúdos abusivos na internet. Essas orientações dialogam diretamente com o ECA Digital, mostrando como a Igreja e o Estado podem caminhar juntos na proteção integral da infância, sendo dever das instituições públicas assegurar às crianças condições dignas de desenvolvimento físico, moral e espiritual. De fato, a Igreja nos ensina que proteger crianças e adolescentes não é apenas um dever moral, mas uma exigência de justiça e de fé. Assim, políticas públicas voltadas à educação, à saúde e à segurança de crianças e adolescentes devem refletir essa prioridade moral.

“As crianças constituem o maior dom e o bem mais precioso da família e da sociedade. Devem ser respeitadas, protegidas e educadas de modo integral, para que possam realizar plenamente a vocação que Deus lhes confiou.”(Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 245).

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