A beleza salvará o mundo…

“É verdade, príncipe, que o senhor disse uma vez que a “beleza” salvará o mundo? […] Qual é a beleza que salvará o mundo? […]” (DOSTOIÉVSKI, F.M. O idiota. São Paulo: Editora 34, 2020). Embora seja uma frase tão conhecida quanto apreciada, dizer que a “beleza salvará o mundo” parece ser daquelas afirmações que agradam a toda audiência, mas que aparentam ter pouco sentido prático. Afinal, diante de um mundo em que por vezes parecem prevalecer incertezas, injustiças, abusos, angústias, sofrimentos – a lista seria demasiadamente longa, mas resumiríamos todos os itens em uma palavra: a “feiura” –, que sentido tem a beleza? E mais: de que beleza se trata?

De fato, o conhecido artista Cláudio Pastro, em algumas das várias conversas que tivemos, falava de uma “beleza luciferina”, isto é, uma beleza falsa, baseada no engodo, como se vê às vezes em certas técnicas questionáveis usadas na esfera do marketing. Nesse caso, a preocupação não é a de levar o ser humano a ter um vislumbre do eterno ou de fazer experiência da gratuidade por meio do “belo”, mas apenas oferecer o que é transitório, o que sacia por um breve momento, mas que acaba “passando” (cf. 1Cor 7,31). Certamente, a beleza presente no texto de Dostoiévski, um dos grandes mestres do drama humano, não é essa. Trata-se de uma beleza de outra ordem, de algo que deseja quebrar o limite do non plus ultra dos antigos, isto é, do “não mais além” e que, assim como na experiência bíblica do antigo Israel, quer guiar a humanidade a uma experiência de um novo êxodo, com toda sua riqueza de significado.

Em O idiota, essa dimensão de uma “beleza redentora” parece se dar nas palavras do personagem Hippolit, que entrevê na motivação da pergunta atribuída ao jovem príncipe Míchkin o fato de ele ser “um fervoroso cristão”. Mas, não é possível sabê-lo ao certo pois, verdade seja dita, sobre o sentido mais preciso de todo o episódio cala apenas o silêncio, já que em todo o decorrer das páginas do livro, a questão não será retomada e uma resposta efetiva não será dada. Algo similar encontra-se na página do Evangelho: a pergunta de Pôncio Pilatos dirigida ao próprio Jesus – “O que é a verdade?” (Jo 18,38) – fica igualmente sem resposta.

E, no entanto, uma resposta há.

Para a perspectiva cristã, a beleza – e também a verdade ‒ encontram seu sentido último na pessoa do próprio Cristo, em seu mistério pascal, como bem intuiu o teólogo Josef Ratzinger em um belíssimo ensaio que parte de uma abordagem feita a um aspecto da Liturgia das Horas da Semana Santa. Ao comentar uma aparente contradição entre a antífona do Salmo 44 – que cita a profecia de Isaías sobre o servo desfigurado (Is 53) – e o conteúdo desse Salmo, que paradoxalmente convida o fiel a contemplar o “mais belo entre os filhos dos homens”, o futuro Papa Bento XVI considerava que “sob este interrogativo esconde-se outra questão muito mais decisiva: isto é, se a beleza também é verdadeira ou se não é a feiura a nos levar à verdade profunda da realidade. Quem acredita em Deus, no Deus que precisamente na aparência alterada do Crucificado se manifestou como amor ‘até ao fim’ (Jo 13,1), sabe que a beleza é verdade e que a verdade é beleza; mas no Cristo sofredor, aprende também que a beleza da verdade inclui a ofensa, a dor e até mesmo o obscuro mistério da morte. Beleza e verdade só podem ser encontradas na aceitação da dor, e não em sua rejeição” (RATZINGER, J., In cammino verso Gesù Cristo. Roma: Edizioni San Paolo, 2004).

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