A conversão da paixão ao amor

O que é a paixão? Uma experiência que nasce da nossa força vital, e que os antigos gregos chamavam de eros. É uma força necessária à vida, por isso, vital. É a força que nos faz pensar, agir e dizer: “Eu quero”. Como a criança que chora e abre a boca, impaciente, esperando o bocado de comida da mão da mãe. A paixão é um mal? Um pecado? Não, ainda não. Quando ela se torna fonte de infelicidade e deixa de ser para nós, e se torna contra nós? 

Descrevamos um pouco mais em detalhes essa experiência humana. A paixão por algo ou por alguém é uma força irresistível, que nos faz pensar, desejar, buscar, agir para obter “aquilo”. Posso agir como um animal que corre para obter sem refletir; ou posso dar-me conta dela, acolhê-la e discernir o que e como fazer, quando experimento esse impulso tão forte. Se acredito em Deus, a primeira coisa a fazer é rezar, e pedir-Lhe que me ajude. Qualquer paixão é pró-vida, para a vida, para crescer e amadurecer no amor, que é o motivo pelo qual Deus nos fez, e é também o caminho para a nossa felicidade. 

Do pedido sincero a Deus, brota a graça. Porque Deus é bom e nunca nega, como diz a Escritura, um pedido sincero de ajuda. E, aqui, se abre o caminho da paixão ao amor. Como descrevê-lo? Primeiro: se é um caminho aberto pela graça, não é um caminho que eu controlo, mas um caminho de abandono progressivo Àquele que é todo-poderoso e sabe do que temos necessidade; ama-nos de verdade, decidiu que existíssemos e deu-nos um caminho na vida para sermos felizes. Deus não tem medo das circunstâncias de pecado em que possamos ter nascido. O mal do mundo não O assusta. Para Ele, sem prescindir da nossa liberdade, o pecado é ocasião de salvação, de graça ainda maior. 

Então…, se não consigo tirar “aquilo” da minha cabeça, e tremo só de pensar, sem quase conseguir me controlar, o caminho é: “Senhor, me ajude!” Não há pecado. Ao contrário. Embora seja preciso perseverar, ter um pouco de paciência e persistir no pedido, pois a espera faz parte da pedagogia que Deus usa para que cresçamos no amor. 

A graça quando age vem como luz. Ela me faz “ver” aspectos, situações que não enxergava. Ilumina-me, fazendo-me “ver” a realidade de modo proporcionado, equilibrado. Não perco nada, nem ninguém, mas vou sendo iluminado para ver o quadro completo e não só um único ponto (o pecado é se prender em um único aspecto, e não ver o todo. É o diabo que nos faz cegos). 

A segunda experiência que a graça nos dá, e que é a mais importante, é o de se sentir abraçados pelo Senhor. Ele nos dá a graça da sua presença. E aqui é a experiência central. A graça nos leva a passar do eu “quero isso” ou “esse”, “preciso disso”, à experiência do verdadeiro remédio à minha natureza humana, a verdadeira solução para o meu impulso natural: “Somos feitos para Ti, Senhor, e o nosso coração estava inquieto, até encontrar a Ti” – nosso único bem, dizia Santo Agostinho. 

O Senhor se substitui ao objeto ou à pessoa amada? Não. Ele se coloca junto conosco, como nosso amigo fiel e seguro, que nos ama como ninguém e nos ensina, com humildade, delicadeza, a como amar de verdade. 

No tabuleiro das nossas experiências humanas, a paixão ocupa um lugar central. Por isso, Deus quer e age, se O deixarmos, de modo a nos fazer encontrar o caminho para nossa felicidade. Não nos esqueçamos de Deus! Esse caminho se faz em dois, e não sozinhos. Em nossas paixões, precisamos, mais do que nunca, da ajuda Dele! Ele se colocará junto conosco, a nosso favor e, agirá por meio da beleza que vemos e que nos encanta, da promessa de delícia que aquela coisa ou alguém nos oferece – Ele está ali, abraçando-nos como Pai, como Mãe e como amante. Esse é o caminho da paixão ao amor. O amor é “ter” sem destruir, sem esmagar, sem deformar. O amor é a exaltação do ser de cada um e de cada coisa. Não há nada mais recompensador na relação com as coisas e as pessoas. Deus é o amigo por excelência que me ensina, vivendo comigo as minhas paixões. 

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