A doutrina social perante os populismos na América Latina

O Observatório Socioantropológico Pastoral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) acaba de publicar Democracia y neopopulismos: alternativas para superar la polarización en América Latina. Não se trata de um texto da própria Conferência Episcopal, mas sim de um documento de trabalho para ajudar a reflexão dos bispos e de toda a comunidade católica.

Salta aos olhos a pergunta por que a Igreja deve se preocupar com um tema tão claramente político, tão problematicamente partidário? A doutrina social da Igreja deixa claro que o amor cristão é muito concreto e nos impele a colaborar na construção do bem comum, que é a razão de ser da política. Nesse caminho, sem se envolver com opções partidárias, a Igreja reconhece que a democracia é o sistema de governo que mais colabora com o bem comum. Sendo assim, vê com suspeita as tendências populistas que parecem pôr em risco nossas democracias.

Não cabe aqui resumir ou analisar o documento, disponível on-line, relativamente extenso e passível de críticas como qualquer obra do gênero. Contudo, algumas observações sobre o tema são importantes para o momento político atual que vivemos.

Temos populismos tanto à direita quanto à esquerda, e o termo “ideologia populista” talvez não seja adequado. Os populismos podem ser mais bem compreendidos como uma estratégia de chegada ao poder em regimes democráticos. Caracterizam-se pela canalização, por parte de um líder social, da insatisfação e do ressentimento dos pobres e/ou da classe média contra as elites políticas e econômicas.

A estratégia populista é tão mais eficiente quanto maior o desencanto e a frustração com o desempenho dos políticos, geralmente tidos como interesseiros e corruptos, e a fragilidade da máquina pública em garantir a justiça e o bem-estar da população. Além disso, pode se apresentar como a única viável quando as organizações da sociedade civil e as instâncias democráticas parecem não conseguir construir um sistema político realmente comprometido com o bem comum da população e não com os interesses dos poderosos.

Com um bom senso tipicamente católico, Francisco, na Fratelli tutti, observa que líderes populares que conseguem transformar as estruturas injustas são um bem para a sociedade (cf. FT, 169). Contudo, esses líderes muitas vezes se revelam demagogos que enganam o povo, invés de servirem ao bem comum (cf. FT  156-162).

Ideólogos de direita tendem a ver demagogia populista em qualquer tentativa de aumentar a participação popular e melhorar a distribuição de renda da população. Ideólogos de esquerda tendem a ver demagogia populista em qualquer defesa da ordem social ou dos valores morais tradicionais.

O fato é que a população quer justiça social, condições de vida dignas, respeito a seus valores morais e segurança. Grande parte de nossos problemas de engajamento vem da tendência dos grupos políticos de lutarem por algumas bandeiras e não levarem outras em consideração.

É comum se dizer no Brasil que “o povo não sabe votar”. O problema maior, contudo, é que “as elites não sabem governar”, deixando o povo sem opções e entregue a líderes populistas de esquerda ou de direita. Esse desencanto com os políticos e partidos se evidencia na dificuldade da chamada “terceira via” nas eleições atuais.

A superação dessa situação só poderá acontecer com o aumento da participação social; o fortalecimento, em todos os níveis, das organizações sociais e a formação de lideranças políticas cada vez menos personalistas e mais comprometidas com o bem comum.

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