A dupla face da metrópole São Paulo

A gigantesca extensão urbana que há 469 anos chamamos São Paulo representa hoje uma das economias mais dinâmicas e robustas do Brasil e da América Latina. Além disso, permanece uma metrópole que acolhe todos os povos e nações. Caminhando por suas ruas e praças, “tropeçamos” o tempo todo com pessoas de todas as línguas, etnias, bandeiras, credos, culturas e valores. Cidade cosmopolita por excelência, de braços abertos à riqueza multiétnica e pluricultural. A mescla e a fusão de tamanha diversidade constitui o maior legado aos cidadãos e cidadãs que aqui vivem e se movem, na busca de seus sonhos e esperanças.

Ao longo dos séculos e da experiência, São Paulo prova que as diferenças, sejam elas de caráter histórico ou identitário, longe de significar um problema, e menos ainda uma ameaça, configuram-se como uma verdadeira oportunidade. Quem vem de fora sempre tem algo a nos dizer, não somente sobre ele mesmo, mas em particular sobre os que estão destinados a recebê-lo. A migração mantém vivo e ativo o intricado processo da identidade, o qual representa, dinamicamente, uma formação jamais acabada, mas em constante movimento. Semelhante metamorfose contínua ocorre por meio do encontro, do diálogo, do confronto e do intercâmbio de povos, culturas e valores. De tudo isso resulta que saímos todos mais enriquecidos.

Entretanto, explícita ou implicitamente, os porões, periferias e centros degradados de São Paulo revelam uma outra cara da cidade. Aí se encontram inúmeras situações de precariedade e vulnerabilidade, decorrentes, entre outras coisas, da concentração de renda e da exclusão social. Ao lado do esplendor iluminado dos shopping centers, dos condomínios de luxo, dos carros importados e dos helicópteros privados, por exemplo, o retrato mais fiel da desigualdade socioeconômica está nas capitais dos estados, de forma especial na metrópole paulista.

Evidente que migração rural-urbana das últimas décadas, a chegada de outros fluxos de imigrantes cada vez mais vulneráveis, o desemprego e subemprego em massa, a cobiça da especulação imobiliária, a pobreza, miséria e fome, o consumo de drogas de modo particular na chamada cracolândia – tudo isso é resultado do abismo crescente entre o pico e a base da pirâmide social. Essa discrepância entre milionários e bilionários, de um lado, e povo deserdado de outro, tanto em nível internacional quanto nacional, fez aumentar também a população de rua. Várias praças do centro se convertem em uma espécie de favelas de lona, onde não poucas pessoas e até famílias inteiras passam a viver da caridade pública.

Desnecessário acrescentar que a pandemia da COVID-19 acabou escancarando e agravando ainda mais o cenário. O fato é que este 468º aniversário da capital paulista ocorre num momento de profunda ambiguidade, seja ela social, econômica ou política. Temos o que celebrar, sem dúvida, mas temos pela frente desafios tão grandes quanto a própria cidade. Em semelhantes condições, a metrópole ergue aos céus um grande clamor, ao mesmo tempo silencioso e ruidoso, no sentido de exigir de todos os cidadãos e cidadãs o empenho pelo bem-estar de sua população, com destaque para os setores de baixa renda, onde a vida se encontra mais ameaçada.

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