Na vertente profética da “Divina Misericórdia”, o simbolismo joanino do ícone de Cristo misericordioso está intimamente ligado à liturgia do 2º Domingo da Páscoa ou Domingo da Divina Misericórdia e, por isso mesmo, ao antigo conteúdo batismal e mistagógico do Domingo In albis. Sua veneração inspira a “catequese querigmática”, isto é, o anúncio da “misericórdia infinita do Pai”, “centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial”, conforme o Evangelho deste Domingo: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20,21; cf. Lumen gentium, LG 17). A imagem também favorece a iniciação mistagógica, pois atende à “necessidade de uma renovação” mediante o “uso de símbolos eloquentes” (cf. Evangelii gaudium, 160s).
Um ensinamento de Bento XVI ilustra o significado da imagem, da qual saem dois grandes raios do lado de Jesus ressuscitado, representando o “sangue e água” (Jo 19,34), como fonte de misericórdia para o mundo: “O olhar fixo no lado traspassado de Cristo, de que fala João (cf. 19,37), compreende o que serviu de ponto de partida a esta encíclica: ‘Deus é amor’ (1Jo 4,8). É lá que esta verdade pode ser contemplada […] A partir daquele olhar, o cristão encontra o caminho do seu viver e amar” (Deus caritas est, 12). Segundo a Sacrosanctum Concilium, 5, “do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja”, e tal começo e crescimento são significados pelo sangue e pela água (LG 3), Batismo e Eucaristia, os sacramentos pascais fundamentais, manancial de infinita misericórdia que desce do corpo de Jesus e se torna a vida divina conferida pelo Espírito Santo e comunicada nos sacramentos (cf. Jo 19,34; cf. 1Jo 5,6-7).
Pois “o Espírito é também pessoalmente a água viva que jorra de Cristo crucificado (cf. Jo 19,34; 1 Jo 5,8) como de sua fonte e que em nós jorra em Vida Eterna (Jo 4,10-14; 7,38)” (Catecismo da Igreja Católica, CIC 694). Desde então, é possível “nascer da água e do Espírito para entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5; CIC 1225). Portanto, “o Espírito, a água e o sangue” (1Jo 5,8), como efusão de misericórdia, correspondem aos sacramentos da iniciação cristã – Batismo, Confirmação e Eucaristia – e a uma mistagogia da misericórdia na Oitava da Páscoa, de acordo com a leitura de 1Jo 5,1-6 (neste ano B) e a oração coleta do Domingo: “Para que todos compreendam melhor o Batismo que os lavou, o Espírito que os regenerou, e o sangue que os redimiu”. Eis o valor catequético da imagem da Divina Misericórdia, sua função didática e pedagógica, que vai da devoção ao mistério.
Nela, Jesus ressuscitado “mostra o lado” (cf. Jo 20,20), como narra o Evangelho do Domingo da Misericórdia, em que diz a Tomé: “‘Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!” (Jo 20,27), anotando a Bíblia de Jerusalém: “João, no fim do seu Evangelho, faz o olhar do fiel, ainda uma vez, voltar-se para a chaga do lado (cf. Jo 19,34s)”. Ao que se segue a profissão de fé de Tomé – “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28) –, que expressa adoração “em espírito e verdade” (Jo 4,14-24), e faz compreender a inscrição na imagem – “Jesus, confio em Vós” – como uma oração do coração, cujo método combina a espiritualidade profética da misericórdia e – para usar o termo patrístico – a “sinergia” do Espírito Santo que nos une a Deus pela invocação do Nome de Jesus – enfim, tal oração brota da contemplação adorante do lado aberto do Cristo misericordioso, a fonte “pascal” do nosso viver e amar.