Diz uma lenda que Agostinho de Hipona – um importante cristão e Pai da Igreja que viveu nos séculos IV e V – caminhava à beira-mar na praia do Mar Tirreno, na Itália, quando encontrou uma criança que, insistentemente, com uma concha, procurava transportar a água do mar para um buraco que havia aberto na areia. Naqueles dias, Agostinho estava estudando a Santíssima Trindade. Ao se aproximar do menino, foi surpreendido pela criança que lhe disse: “Seria mais fácil colocar o mar inteiro dentro deste buraco na areia da praia do que para ti explicar o mínimo que seja sobre os mistérios da Trindade.” Repito a fala da criança: “Seria mais fácil colocar o mar inteiro dentro deste buraco na areia da praia do que para ti explicar o mínimo que seja sobre os mistérios da Trindade.” (cf. AGOSTINHO, Aurélio. A Trindade. Coleção Patrística. Vol. 7. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1994. p.469, nota de rodapé nº 10).
De fato, o mesmo Agostinho dirá que sobre a Santíssima Trindade seria melhor não dizer nada, porque é um mistério inefável. E ele se questionava: Então, por que falamos? E respondia: Não falamos porque temos alguma coisa a dizer, mas porque não podemos calar. Tal qual o menino da lenda de Agostinho, hoje também alguém pensou que podia colocar todo o conhecimento do ser humano numa caixinha… (o computador, o smartphone etc).
Porém, a vida humana não cabe no pequeno buraco que o ser humano fez. Talvez, o buraco é que seja alimentado cada vez que o queremos preencher. O coração humano tem um espaço de eternidade que jamais poderá ser ocupado, nem mesmo com todo o conhecimento possível. Talvez pudéssemos fazer outra abordagem a partir do pequeno espaço de eternidade, que não se preenche no mundo, mas que Deus pode ocupar completamente. Agostinho disse no livro das Confissões: “Fizeste-nos para vós, Senhor. E inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em vós. Tarde te amei, beleza infinita, tão antiga e sempre nova. Eu te buscava nas criaturas, enquanto estavas aqui dentro de mim”.
Voltando à lenda da praia, enquanto o menino enchia o pequeno buraco da areia, ele se esvaziava de novo para ser capaz de receber mais água. Por isso, se o Oceano é infinito e não cabe no buraco, por outro lado, o buraco também parece que se torna infinito cada vez que recebe um pouco de água do mar. Ele se esvazia quando a água é absorvida pela areia e, então, o buraquinho está pronto para receber um pouco mais de mar. Não seria assim a nossa alma (coração) em relação ao infinito que é Deus? Ele preenche nossos vazios e os expande, fazendo-nos mais sedentos e mais capazes de saciar-nos de sua água infinita.
A Trindade é o Oceano infinito que nos enche e nos esvazia. Enche-nos de si e esvazia-nos de nós mesmos. Também o computador parece infinito e pode-se pensar que ele seja ilimitado. Basta aumentar-lhe a memória. Alguns acham que nós é que somos incapazes de fazer o uso adequado, porque não temos nem tempo nem a capacidade de usar tudo o que pode nos oferecer. Dizem que essa é a grande vantagem da inteligência artificial. É que ela é capaz de fazer o uso imediato e total dos dados que estão armazenados. Porém, não se consegue colocar no computador tudo que o ser humano possui, porque sua razão não é apenas intelectual. Também é estética, teológica, filosófica etc. O computador estará sempre vazio. E, se não se cuidar, o ser humano também estará se esvaziando enquanto pensa estar se preenchendo. Infelizmente, estará se esvaziando de sua humanidade. Mesmo que procure inserir a lógica dos sentimentos humanos na dita inteligência, a partir da neurociência e compreenda os impulsos elétricos que podem explicar as reações emocionais, assim mesmo: no mesmo esforço em que daremos emoção às máquinas, os seres humanos estarão assumindo uma existência mecânica, construída por nós mesmos. Os criadores se tornarão sua criatura. E as criaturas estarão abandonando seu Criador. Santo Agostinho fez o caminho inverso.