É clássica a comparação dos dons e das virtudes aos remos e às velas dos barcos. Vamos procurar entender as razões dessa imagem, agora que nos preparamos para o Pentecostes.
O Catecismo da Igreja Católica (CIC) ensina que “A Santíssima Trindade confere ao batizado a graça santificante, a graça da justificação, que o torna capaz de crer em Deus, esperar Nele e O amar, pelas virtudes teologais; dá-lhe o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo e pelos dons do Espírito Santo; permite-lhe crescer no bem, pelas virtudes morais” (CIC 1266). Essas sete virtudes que se recebem com a graça santificante são as três teologais (fé, esperança e caridade) e as quatro morais (prudência, justiça, fortaleza e temperança). Pela coincidência com o número septenário dos dons do Espírito Santo, alguns autores fizeram uma correlação entre as sete virtudes e os sete dons do Espírito Santo: fé-entendimento; esperança-ciência; caridade-sabedoria; prudência-conselho; justiça-piedade; fortaleza-fortaleza; temperança-temor de Deus.
As virtudes são hábitos que inclinam para o bem e os dons são perfeições que preparam a pessoa para ser movida com facilidade pelo Espírito Santo. Assim, ambos (virtudes e dons) são perfeições sobrenaturais que levam a realizar o bem e a crescer na união com Deus. Ainda que as virtudes morais sejam propriamente sobrenaturais, o modo de agir das virtudes é segundo a condição humana, ou seja, por meio do seu exercício. Aqui caberia uma pergunta: se Deus nos concede com a graça santificante essas virtudes sobrenaturais, por que então são-nos necessários os dons? Com outras palavras: por que Deus nos envia dois motores sobrenaturais: virtudes e dons?
Na história da espiritualidade, houve quem propusesse diversas soluções. Para uns, trata-se de etapas diferentes da vida espiritual: as virtudes seriam necessárias para a vida ascética e os dons do Espírito Santo para a vida mística. No entanto, a teologia espiritual ensina a presença concomitante das virtudes e dos dons na alma em graça. Outros autores afirmaram que as virtudes são necessárias para observar os preceitos ou os Mandamentos da Lei de Deus e os dons para praticar os conselhos evangélicos (pobreza, obediência e castidade). São Tomás vai além ao explicar que as virtudes são insuficientes para que o cristão possa atingir o grau de santidade que Jesus lhe pede: “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48); “Amai-vos como Eu vos amei (Jo 13,34). Deus propõe-nos metas muitíssimo elevadas: ser santo como Ele é santo e amar com a perfeição do amor de Deus. Uma criatura humana jamais poderia ousar atingir esse grau de perfeição. Assim sendo, Deus nos envia o Espírito Santo para realizar – por meio dos dons – uma intervenção direta na alma, de maneira que, atuando dentro de nós, sejamos conduzidos por Deus.
Isso não ocorre com as virtudes: seu influxo se dá pelas graças atuais e a correspondência humana. Desta feita, pelos dons, nós adquirimos uma formalidade sobrenatural: é o Espírito Santo que ama em nós, Deus que pensa por nós. Muitas vezes, notamos alguns conselhos, palavras, ideias que nos ocorrem que não são nossos, mas fruto das inspirações do Espírito Santo em nós.
Assim também se entende a tradicional comparação das virtudes aos remos e dos dons às velas de uma embarcação. O exercício das virtudes se assemelha à pessoa que começa a remar e coloca o seu esforço para fazer andar a embarcação. E, no momento em que levanta as velas e recebe a força dos ventos, o barco ganha um novo impulso. Os remos são os atos das virtudes e as velas os dons do Espírito Santo. Os pequenos atos de virtude vão preparando a pessoa para receber os dons do Espírito Santo. Assim, o crescimento na vida espiritual passa pelas virtudes e chega aos dons. Quando há generosidade no esforço para ganhar as virtudes com o auxílio da graça, a alma é cada vez mais conduzida pela ação dos dons do Espírito Santo. No entanto, não se trata de uma sequência cronológica ou uma decorrência porque, como vimos, as virtudes e os dons atuam concomitantemente na alma. Nesse sentido, a comparação dos remos e velas é limitada, porque os barcos a vela não necessitam dos remos. Ainda que a criança batizada não tenha capacidade de realizar atos de fé, esperança e caridade, recebe juntamente com a graça do Batismo os dons e as virtudes teologais e cardeais. E uma pessoa com um elevado grau de união com Deus, de vida contemplativa, não pode prescindir da prática das virtudes. Que sejamos dóceis aos dons que o Espírito Santo nos concede para o nosso crescimento espiritual.