Atire a primeira pedra!

É impressionante a passagem do Evangelho sobre a mulher surpreendida em adultério, que os mestres da Lei e os fariseus querem apedrejar, seguindo as prescrições da Lei de Moisés (cf. Jo 8,1-11). Eles pedem a posição de Jesus: apedreja, ou não apedreja? De fato, armavam uma armadilha contra Jesus, pois, dependendo da sua resposta, eles teriam matéria para acusá-lo. Era o que procuravam: um argumento contra Jesus.

A cena é patética. Jesus abaixa-se e escreve no chão com o dedo, sem dizer nada. Eles insistem e querem uma resposta. Então, Jesus levanta o olhar e responde: “Aquele de vocês que não tiver pecado seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”. E continua a escrever no chão. Que será que ele escrevia?! Segue grande silêncio. Um a um, eles vão se afastando, a começar pelos mais velhos. Podemos imaginar as pedras caindo ao chão ou atiradas a esmo para os lados… Jesus tocou num nervo sensível e eles caíram na conta de que nenhum deles estava em condições de atirar uma pedra contra a mulher. Ele fica sozinho, com a mulher, a quem pergunta: “Ninguém te condenou?”. Ela responde: “Não, ninguém, Senhor”. E Jesus: “Nem eu te condeno. Vai em paz e, de agora em diante, não peques mais”.

Quanta coisa nessa cena! Primeiramente, é de se perguntar se a mulher cometeu adultério sozinha? Onde ficou o companheiro do flagrante? A condenação valia só para a mulher, e não para o homem adúltero. Jesus mexe com essa situação injusta. As autoridades querem aplicar objetivamente a Lei de Moisés, mas elas próprias reconhecem que essa Lei também poderia ser aplicada contra elas. Eram tão pecadores como a mulher que queriam apedrejar. A observação final do evangelista é intrigante: “a começar pelos mais velhos”. Faz pensar que estes, por já terem vivido mais, podiam estar mais carregados de pecados que os mais jovens.

Jesus não julga, simplesmente, aplicando a Lei de Moisés de modo literal e objetivo. Tratava-se de uma pessoa, que poderia perder a vida e não ter a chance de se emendar e corrigir. Ele usa a medida da misericórdia, que não visa à morte do pecador, mas que se converta e viva.

Acaso Jesus dá a entender que não houve pecado ou que o pecado não é coisa assim tão séria, que deva ser evitada? Não. Jesus reconhece e confirma a gravidade do pecado da mulher, mas não aprova a sentença de morte contra ela. Usa a medida de misericórdia, e oferece uma nova oportunidade de vida para ela: “Vai em paz e daqui em diante não tornes a pecar”.

A cultura polarizada, míope e maniqueísta do nosso tempo perdeu muito do sentido da misericórdia nas relações humanas. A falsa ideia de que vivemos envolvidos numa luta entre o bem e o mal supõe que o bem está todo de um lado e o mal está todo do outro, e que o importante é criar uma bolha, em que a gente se sente da parte “do bem”. E, de dentro dessa bolha, aponta-se o dedo contra “os do mal”, jogando pedras e querendo eliminar quem não é da nossa bolha. Esse tipo de comportamento farisaico não tem nada com uma cultura permeada pelo Evangelho! Jesus diria também hoje: “Aquele que não tiver pecados, atire a primeira pedra!”

No caminho quaresmal, em preparação à celebração da Páscoa, somos confrontados com nossa condição de pecadores. E quem não é pecador?! Infelizmente, apesar de recebermos tantas graças e benefícios de Deus, desde a grande graça do Batismo, continuamos a cair, a desobedecer aos mandamentos divinos e voltamos as costas a Deus. O pecado é coisa séria e dele precisamos pedir perdão tantas vezes! Um bom exame de consciência, a penitência, a oração e a escuta da Palavra de Deus nos colocam diante de nossa condição de pecadores. O Deus santo nos atrai a si para sermos santos também. Uma confissão humilde e sincera é a ocasião de recebermos o perdão misericordioso de Deus, que nos restaura e fortalece na nossa luta cotidiana contra o pecado.

Uma das questões morais mais sérias dos nossos dias é a perda da sensibilidade da consciência diante do pecado. Falar de pecado pode se tornar ocasião para anedotas e até para a aprovação do pecado. O pecado tem a ver com a sensibilidade de nossa consciência pessoal e com a nossa relação com Deus. Sem a relação pessoal com Deus, acaba se esvaziando o sentido do pecado. Os santos consideravam-se grandes pecadores, pois tinham uma profunda experiência do amor de Deus. Jesus disse que o justo peca sete vezes por dia! E ensinou que não haverá misericórdia para quem não usar de misericórdia para com o próximo.

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