Como e por que fazer penitência

Depois de ter refletido, nas últimas semanas, sobre a importância da oração para alcançarmos nossa verdadeira felicidade e para colaborarmos com Deus em sua obra de amor e salvação, desejávamos voltar-nos agora à penitência, outra das tradicionais obras quaresmais que a Igreja, baseada na Palavra de Nosso Senhor (cf. Mt 6,1-18), nos recomenda neste tempo de preparação para a Páscoa.

A primeira dúvida que podemos ter é sobre o motivo da penitência. Afinal de contas, nós não adoramos o Deus da vida? Qual, então, o sentido de nos mortificarmos? De forma muito direta, a penitência corporal se fundamenta num simples fato da vida, que ninguém precisa ter fé para enxergar: em nossa atual condição humana decaída, existe sempre, dentro de nós, uma luta entre os apetites de nosso corpo pelo prazer egoísta e as aspirações de nossa alma pela doação amorosa. Nos dizeres de São Paulo, “em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (Rm 7,19-20).

Mas a interrogação poderia ainda continuar: afinal, Cristo já não pagou pelos nossos pecados no Calvário? Veja, é sim verdade que “o único sacrifício perfeito é o que Cristo ofereceu na Cruz” (Catecismo, n.2100) – mas é o próprio Cristo que diz que todo aquele que quiser segui-Lo também terá que imitá-lo, carregando cada um sua própria cruz (cf. Lc 9,23). Cada fiel que, com seus sacrifícios pessoais, se associa ao único sacrifício de Cristo e participa da redenção da humanidade pode dizer, com São Paulo: “Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo” (Col 1,24).

Entendemos, então, os motivos para fazermos penitência – mas isso nos leva a perguntar: como deve ser nossa penitência para que agrade a Deus? São Francisco de Sales dedicou a este tema todo um sermão de Quarta-feira de Cinzas, em que dizia que existem basicamente três condições para que nosso sacrifício agrade a Deus.

Primeiro, nosso jejum deve ser completo, isto é, envolver todo o nosso corpo e nossa alma, não apenas nossa boca: nossos olhos devem evitar as coisas frívolas e ilícitas (que tal, por exemplo, perdermos menos tempo com tantas notificações e feeds das redes sociais, que no fim não agregam nada à nossa vida?); nossos ouvidos não devem ouvir coisas vãs que servem apenas para encher a mente de imagens mundanas (que tal escolhermos melhor nossa seleção de músicas?); nossa língua não deve pronunciar palavras vãs e que cheiram ao mundo ou às coisas do mundo (que tal evitar falarmos da última novela ou do último fuxico dos famosos, e elevarmos o tom das conversas?); nossa mente, enfim, deve eliminar os pensamentos inúteis, assim como as lembranças vãs e os apetites e desejos supérfluos de nossa vontade (que tal fazermos o propósito de dirigir o pensamento a Deus várias vezes ao dia com uma breve jaculatória?).

Em segundo lugar, nossa penitência não deve ser feita para sermos vistos por pelos homens (cf. Mt 6,1). São Paulo dizia que de nada adianta dar todo nosso dinheiro aos pobres, entregar o corpo ao martírio ou mesmo fazer milagres, se não se tiver um amor puro a Deus (cf. 1Cor 13,1-3) – e São Francisco de Sales advertia que este amor de caridade é impossível de alcançar se não formos humildes. Por isso é que a motivação de nossa penitência não pode ser o “ficar bem na fita”. Isso não significa que tenhamos que ativamente esconder, a qualquer custo, nossa penitência – pois um cristão que vive sua fé com unidade de vida não deixa de ser um exemplo que edifica os demais, e os inspira a amarem mais a Deus (cf. Mt 5,16). Se temos saúde, por exemplo, para nos abster de carne às sextas-feiras da Quaresma, façamo-lo – sem tocar trombetas para chamar a atenção, mas sem vergonha de explicar o motivo, caso algum colega de trabalho ou amigo pergunte.

Por fim, a penitência será agradável se tiver por motivo último fazer a vontade de Deus, e não a nossa. Muitas vezes, é mais fácil fazer sacrifícios espetaculares, escolhidos por nós mesmos, do que simplesmente carregar aquela pequena cruz escondida, que Deus coloca em nosso caminho de cada dia.

Abracemos a cada dia, então, nossa Cruz – isso a que o mundo chama de Cruz – e veremos que lá nos aguarda Jesus, amorosamente esperando que colaboremos na redenção do mundo.

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