Crueldade, transtorno de conduta, vandalismo – o sutil limite

Todos nos surpreendemos com a triste notícia veiculada na última semana sobre o menino de apenas 9 anos que matou violentamente mais de 20 animais no Paraná.

Muitos sentimentos e pensamentos são despertados em uma situação tão drástica como esta: o que pode levar uma criança a uma atitude tão agressiva, com notas de crueldade e sadismo? Como uma criança se determina a tamanha destruição, sem parecer arrependida ou ao menos chocada com seu próprio impulso? Deveria esta criança ser punida para aprender que seus atos têm consequências? Enfim, é natural que uma notícia tão impactante gere muita comoção e provoque as mais diferentes reações, mas confesso que algumas me chamaram bastante a atenção.

Muitíssimos se manifestaram nas redes sociais de modo favorável à responsabilização da criança por sua atitude, defendendo de modo radical que se ela foi capaz do ato, deveria também estar capacitada à punição. 

Quero aqui analisar a situação levando em conta dois aspectos: 1. O que poderia levar uma criança a esse tipo de conduta? 2. Como lidar com a criança depois que o ato criminoso já foi cometido?

Vamos ao primeiro aspecto: algo que me chamou a atenção no caso foi o fato de que esse menino mora com os avós e não foi veiculada nenhuma informação mais completa sobre os pais ou mesmo sobre o relacionamento com os avós. Ele esteve na fazendinha no dia anterior, com um grupo de crianças, segundo uma das notícias sobre o assunto. Não apareceu relato de nenhum adulto responsável acompanhando-o no dia anterior nem percebendo sua falta quando estava na fazendinha matando os animais. 

Crianças são pessoas em formação – precisam ser orientadas, acompanhadas, conduzidas com clareza de limites para que se formem de modo equilibrado e saudável. Uma criança de 9 anos ainda está tendo seu caráter formado. Quem está se dedicando à formação desse menino? Será que há uma estrutura familiar empenhada nisso? 

Sobre os avós, somente encontrei que declararam que o menino nunca tinha apresentado manifestações violentas anteriormente. No entanto, quando uma criança não está bem, não necessariamente apresenta manifestações agressivas e violentas. Pode também se mostrar apática, ter manifestações de cinismo, apresentar episódios recorrentes de mentira, ou seja, muitas são as manifestações que uma criança pode apresentar e que nos levam a olhar de modo mais cuidadoso para a sua saúde psíquica e emocional.

Sendo assim, convido-os a pensar: será que há uma família tratando de formar? Percebem que a família é fundamental para a formação das pessoas e que, como sempre costumo dizer, crianças não brotam do chão – elas são confiadas a adultos que as mantêm vivas e as ensinam a viver. Não quero com essa reflexão culpar alguém, até porque não existem evidências suficientes para isso, mas apenas alertar: estamos agindo com a responsabilidade e autoridade necessárias na vida das nossas crianças?

Agora pensando no segundo aspecto: essa criança que teve esse comportamento cruel deveria ser punida judicialmente? Parece-me um tanto óbvio que não. Entendam: se acreditarmos que um menino desta idade deve assumir as responsabilidades e consequências de todos os seus atos, admitiremos que crianças são, na verdade, adultos pequenos, ou seja, pessoas que já têm critérios e juízo moral bem formado, capacidade de dominar seus impulsos, emoções e desejos e de decidir o melhor a fazer a cada momento.

Isso somente reafirma o que tanto venho observando em minha prática profissional: faltam adultos que exerçam a autoridade e assumam a responsabilidade na formação das crianças. Os adultos descomprometidos e confusos dão às crianças autonomia de decisão sobre coisas que não estão aptas a decidir e, como resultado, formam pessoas impulsivas, sem limites e sem critérios, verdadeiros vândalos. Depois, esses adultos querem responsabilizar essas “pequenas vítimas” pelas decisões e comportamentos inadequados. Como essa criança teve tempo de fazer tudo isso sem nenhuma fiscalização de algum familiar?

Os limites entre normalidade e patologia, entre vandalismo e desequilíbrio, entre impulsividade e transtornos psíquicos são tênues. Precisamos amar mais, olhar mais, cuidar mais, nos doar mais nessa etapa de formação das crianças. É mais fácil culpabilizar o menino, mas talvez seja tão ou mais cruel do que o próprio comportamento dele.

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