Hoje, gostaria de promover uma breve reflexão sobre algo que tem me chamado muito a atenção, principalmente após o advento da comunicação virtual em massa. Sabemos que a tecnologia traz muitos benefícios e facilidades para nossa vida. Uma delas é o acesso a diferentes e variadas informações, situações e opiniões. Quase tudo se torna público em pouco tempo, com algumas situações tomando dimensões muito grandes.
Chama-me muitíssimo a atenção o valor que se dá à tal espontaneidade na comunicação moderna. É como que ser espontâneo é ser quem eu sou, dizer o que penso, do modo que quero, em qualquer circunstância. Isso tem transforma- do alguns espaços virtuais em um verdadeiro “ringue”.
Há, em nossa sociedade moderna, um certo culto à espontaneidade. É sempre estimulado que sejamos espontâneos em nossas reações, falas, posturas. No entanto, nem sempre os resultados da tal espontaneidade são positivos. No senso comum, muitas vezes a referência a um ato espontâneo sugere uma ação imediata, não controlada – poderíamos dizer, impulsiva. Resposta natural que brota no peito do sujeito mediante uma situação vivida ou uma opinião emitida por outro. Nos dicionários, podemos encontrar di- versas definições para a palavra “espontâneo”, tal como a de Cândido de Figueiredo, a seguir: espontâneo (do lat. Spontaneus) 1. adj. Que se pratica de livre vontade, de moto-próprio: ato espontâneo. 2. adj. Natural. 3. adj. Independente de causa exterior, aparente. 4. adj. Que nasceu sem cultura: vegetação espontânea.
No entanto, bem sabemos que as melhores coisas que fazemos não são naturais em nosso ser, ou seja, quase tudo o que somos e acreditamos, aprendemos ao longo da vida na construção de hábitos, nas experiências que vivemos em família, nas situações cotidianas que vão aos poucos nos transformando em pessoas. Vão aperfeiçoando nossas tendências naturais – nem sempre adequadas – e nos possibilitam uma vida mais harmoniosa, mais plena. Sabemos o quanto custa lapidarmos nossos “impulsos e instintos” em busca de crescer nas habilidades da boa comunicação, da empatia, do colocar-se no lugar do outro para tentar criar uma relação saudável e amável.
Claro que esse processo de aperfeiçoamento pessoal pode, aos poucos, forjar nas pessoas uma atitude espontaneamente cordial, naturalmente alegre e acolhedora, bem-humorada… no entanto, isso nada tem de relação com ser como sou por natureza e ponto. Isso seria, e é, um culto à impulsividade, que tanto precisamos dominar se queremos levar uma vida madura, uma vida plenamente humana.
Encontrei em J.L. Moreno, criador do psicodrama, uma reflexão interessante sobre espontaneidade, que, a princípio, ele distancia de impulsividade em sua obra Psicodrama: “O termo ‘espontâneo’ é frequentemente usado para descrever indivíduos cujo controle de suas ações está diminuído. No entanto, esse emprego do termo espontâneo não está de acordo com a etimologia da palavra que (…) deriva do latim sponte, ‘de livre vontade’. (…) A conduta desordenada e os acessos emocionais que decorrem de ações impulsivas estão longe de constituir desideratos do trabalho da espontaneidade. Pertencem ao domínio da patologia da espontaneidade.” (MORENO, 1993, p.175).
No livro As palavras do Pai, este mesmo autor diz: “A espontaneidade é um estado de prontidão do sujeito para responder mais rapidamente quando lhe for solicitado. É uma condição – um ajustamento – do sujeito, uma preparação dele para uma ação livre” (MORENO, 1992, p.152). Moreno associa à espontaneidade um caráter de atitude adequada ao contexto, ou seja, a espontaneidade, assim como a liberdade, precisa ser aprendida. São habilidades a serem desenvolvidas e em nada se relacionam com as manifestações mal-criadas e desmedidas que lemos em tantas oportunidades nas redes sociais.
Tendo em vista que todos, em algum momento, poderemos ser vítimas ou mesmo atores dessa tal espontaneidade desordenada, espero ter trazido um pouco de luz a essa ação. Que sejamos sempre e cada vez mais focados em nos formarmos verdadeiramente bem e, assim, seremos realmente espontâneos, livres e felizes.