O isolamento dos idosos

Os desdobramentos de 2020 não param de acontecer. Olhar, avaliar e compreender este ano histórico já é uma ousadia. Vamos focar a realidade de um grupo, particularmente caro a este autor, os idosos e seu cotidiano nesta cidade. Duas considerações iniciais: primeiro, que o próprio conceito de pessoa idosa tem sofrido mudanças recentes na sua identificação, que foge ao interesse neste momento. Segundo, que não há qualquer pretensão de se estender a reflexão a todas as condições que estão se apresentando neste grupo.

Algumas questões podem colaborar na análise. “Já posso sair de casa?”; “Posso fazer mercado?”; “Posso visitar meus avós?”; “Qual o risco de viajar?”; “Meus pais farão 50 anos de casados, gostaria de fazer uma festinha…”; “Posso tirar a máscara na casa da vovó?”; “Minha mãe não aguenta mais ficar sozinha e dispensei a funcionária há quatro meses!?”; “Papai caiu em casa e operou o fêmur, e não posso ficar com ele. Como faço com o cuidador?”; “Minha filha não sabe se volta às aulas, e minha mãe, com 75 anos, diabética e cardíaca, mora comigo…?” As perguntas não terminam. Talvez tenha faltado a sua, desculpe, mas paramos por aqui. Este é, somente, um recorte da realidade.

Às vezes não há alternativa. “Quem vai ao mercado para mim? Eu não fico trancada. Conheço todos os motoristas de ônibus. Eles gostam de mim.” Afirma, alegre, aos 76 anos, solteira, sozinha, porém com ótima disposição. Outros se entristecem. “Minha mãe, aos 94, lúcida, queria fazer uma reunião com suas cinco filhas. Temos receio. Podemos?” Há os que já se cansaram, mas resistem: “Tenho feito a faxina, gosto de tudo muito limpo, mas as costas já não ajudam. Compro tudo por delivery. Estamos, minha esposa e eu, sem sair (aos 70 anos), e ninguém para ajudar”. Estas são pessoas reais. E poderia se acrescentar milhares de outras. O que fazer? É uma responsabilidade muito grande. A vida não nos oferece segurança total, mas caminhos, escolhas.

Esta cidade tem mais de 12 milhões de habitantes, e não são poucos, pelo contrário, são centenas de milhares de idosos e milhões de pessoas que se apresentam direta ou indiretamente nas circunstâncias apresentadas. Quando o tempo esperado excede em muito o planejado e as circunstâncias se alteram, é preciso rever o plano de ação. Continuar enclausurados não se sustenta diante destas questões. Permanecer numa discussão utópica de lockdown, dispensar funcionárias porque tomam ônibus, viver de delivery, olhar o mundo pela janela, ou pelo celular, e achar que andar na praça ou fazer mercado é risco de morte, até que chegue uma vacina para todos, pode parecer o ideal para aqueles que possam viver assim. No entanto, está fora do mundo real para a maioria. Quais respostas temos para o hoje e o agora?

As propostas de solidariedade, que se verificam diariamente, são animadoras. Jovens que se propõem a comprar comida para que os idosos não precisem se deslocar. Programas no YouTube de atividades e ginástica em casa têm cada dia mais professores e seguidores. Facilidades de compras pela internet evitam aglomerações em lojas. Todas as medidas de proteção, válidas e bem conhecidas, colaboram para evitar excessos de exposição. Apesar disso, muito se tem falado das consequências do isolamento social prolongado para todos, e, olhando de modo particular para o número crescente de idosos nesta cidade, deve-se dar uma atenção diferenciada. Neste grupo, os danos são maiores tanto nas condições físicas quanto nas repercussões psicológicas. A solidão, há muito se sabe, é a maior companheira dos idosos. E eles estão ficando muito sozinhos, para serem “protegidos”, para um futuro incerto, a cada dia, principalmente na faixa dos 80 ou 90 anos: “Os mais idosos dos idosos”. Para a maioria destes, a convivência virtual pela internet não existe. Tudo é mais difícil. Sem se esquecer daqueles em casas de repouso, nas quais até mesmo as visitas estão proibidas.

O desejo de reunir-se num chá com suas filhas. Comemorar, numa pequena reunião familiar, o aniversário. Ter alguém que penteie os cabelos e faça as unhas. Contar com ajuda nos afazeres da casa. Observar o netinho engatinhando. Rezar o Terço juntos. Não ficar só… Caminhar ao sol. Até quando isso tudo será considerado uma zona de perigo, ou mesmo irresponsabilidade? E a solidão, não é um risco, quem sabe maior?

É possível, quando se tem amor, com responsabilidade e bom senso, substituir o medo pelo carinho acolhedor. Trocar o isolamento pela companhia. Tirar a máscara e mostrar o sorriso. Isso não nos pode ser roubado. O ano de 2020 nos deixará muitas lições, e dentre elas seria importante jamais esquecer o peso da solidão e o valor do sorriso.

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