Há algum tempo, observo, com certa preocupação, um movimento dos pais de olharem para os filhos como espectadores. Conseguem descrever muitos comportamentos que estes têm, sem fazer a mínima ideia se devem ou não intervir, e como seria saudável fazê-lo.
Conversando com muitos pais e convivendo com as famílias, vejo que o que impacta e paralisa o movimento educativo paterno é o medo – medo de traumatizar, medo de errar, medo de deixar marcas inadequadas na vida dos filhos. Obviamente, é muito importante que os pais se preocupem em ser bons pais, em oferecer um bom suporte para que os filhos se tornem pessoas bem resolvidas e equilibradas, mas é necessário nos debruçarmos sobre essa cristalização na ação dos pais e entendermos o que, de fato, gera esse medo que paralisa.
Vejo que o maior dos problemas nesse sentido é a confusão conceitual na qual estamos imersos. Há um problema antropológico: já não se sabe mais o que é uma criança, como acontece sua formação, quem são os responsáveis por ela. Sem crenças claras, os pais vão sendo bombardeados por informações de áreas específicas de conhecimento (Psicologia, Psiquiatria, Psicopedagogia, Educação etc.) e pautam seu atuar na narrativa que elas oferecem. Acontece que muitas dessas ciências do comportamento estão totalmente fundamentadas em uma filosofia que valoriza os sentimentos em detrimento da razão, que coloca o homem como alguém naturalmente bom, que depois é corrompido pela sociedade. Estando ancorados nesse modo de ver a pessoa e, consequentemente, a criança, esses conhecimentos trazem uma narrativa pautada em valorizar os sentimentos infantis, acolhê-los, respeitá-los e esperar que, com o natural crescimento da criança, os comportamentos inadequados dos pequenos sejam transformados. Esse discurso foi, aos poucos, tirando do processo educativo dos pequenos os limites, a disciplina, a conquista das virtudes e, com isso, engessando a ação dos pais, que mais assistem do que intervêm nos comportamentos inadequados dos filhos. Como um dos resultados desse movimento, as birras, que seriam naturais entre 18 meses e 3 anos, hoje em dia se prolongam até a adolescência (isso para não falarmos dos adultos birrentos, que encontramos aos montes por aí).
Vamos aqui trazer algumas ideias importantes que espero que contribuam para a formação de critérios mais claros dos pais: não somos bichos – nem nós, nem nossos filhos. Os bichos, sim, vivem de percepções, sensações, instintos e sentimentos, sem nenhuma possibilidade de reflexão e mínima capacidade de aprendizagem, ou melhor, de adestramento.
Pessoas, ao contrário, podem ir muito além da percepção de sentimentos – podem elaborá-los, compreendê-los, atribuir sentido a eles e, inclusive, decidir livremente agir de modo oposto ao que sentem – aqui cabe o clássico exemplo do chocolate: desejo comê-lo, mas escolho não comer porque racionalmente identifico um bem maior em não o fazer. Só a pessoa é capaz disso, os bichos sempre atendem a seus instintos.
Agora, essa capacidade do homem está presente somente em potência quando nasce: é preciso ser desenvolvida, trazida para a possibilidade de ato, ou seja, a partir do processo educativo é que a criança irá aprendendo sobre o mundo, sobre si mesma – seus sentimentos, suas necessidades –, sobre o certo e o errado, sobre a verdade, o bem. Enfim, tudo tem que ser ensinado aos pequenos. Todos nós nascemos com alguns dons e algumas limitações, temos facilidade para algumas virtudes e extrema dificuldade para outras. Nascemos marcados pelo pecado original, portanto, a vida é uma missão na qual o grande objetivo é empreender uma luta contra os nossos defeitos e limitações em direção a uma capacidade maior de amar, de se doar, de fazer o bem – em outras palavras, de buscar a santidade.
Não se trata, portanto, de ignorarem ou desprezar os sentimentos dos filhos, mas de entender o peso que devem ter no processo educativo e o quanto é necessário, com sabedoria, conduzi-los para além deles; o quanto, quando incentivados por vocês, pais, os filhos podem superar muitos pequenos obstáculos rumo a se tornarem pessoas fortes, que dominam seus impulsos e conseguem agir de acordo com uma vontade bem formada.
Pais conscientes, bem formados, que buscam verdadeiramente o bem dos filhos, não os traumatizarão por não atenderem a um desejo irracional dos pequenos ou por limitarem, com firmeza, um comportamento impulsivo e inadequado. Ao contrário, quando não fazem isso, estão deixando no mundo pessoas perdidas, sem norte, que facilmente se perderão nos árduos caminhos que a vida costuma apresentar.
Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o site www.simonefuzaro.com.br. Instagram: @sifuzaro