Por que tantos diagnósticos na vida das crianças?

Estamos vivendo hoje em dia uma fase de muitos e muitos diagnósticos infantis. Os diagnósticos de autismo, TDAH e outros transtornos aumentaram de 22% a 26% nos últimos anos.

Evidentemente, temos que considerar que quanto mais se ampliam os conhecimentos a respeito dos transtornos, quanto maiores as campanhas de conscientização sobre esses quadros, mais atentos estão os pais e profissionais para identificar e diagnosticar crianças com essas condições.

No entanto, o que gostaria de trazer para este artigo é uma preocupação que me parece bastante pertinente, com a rapidez com que diagnósticos têm sido feitos. Essa preocupação apareceu, já em 2016, por parte do psiquiatra Allen Frances, arquiteto do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM – IV), em um artigo intitulado “DSM-V Diagnósticos em crianças devem sempre ser escritos a lápis”. O mesmo artigo, em outro veículo de comunicação, foi apresentado com o subtítulo “A rotulagem inadequada de crianças e adolescentes é frequente e pode persegui-las ao longo de suas vidas”.

Crianças, como todos sabemos, estão em plena fase de desenvolvimento em todas as dimensões: afetiva, cognitiva, volitiva, intelectual e podem ter variações bastante importantes em relação aos “marcos do desenvolvimento”. Essas variações ocorrem por inúmeros fatores, entre eles um que considero muito importante: o ambiental.

Sabemos o quanto os estímulos são fundamentais para o bom desenvolvimento infantil e falar em estímulos significa falar em estímulos adequados: nem escassos nem excessivos. Precisamos considerar que temos uma realidade muito confusa no que diz respeito à estimulação, hoje em dia. Aqui quero me deter a três deles:

1.  Muitas crianças expostas às telas desde muito cedo, tendo uma hiperestimulação inadequada. Precisamos lembrar que pessoas são ensinadas por pessoas. O que pode e deve haver na vida dos pequenos são relações com pessoas reais, que interagem, que são impactadas pelos sons, sorrisos e gestos dos pequenos e os impactam com os seus. Relações que promovem não a distração das crianças, mas a aprendizagem real – aprender o que é bom e gostoso nas relações e o que é inadequado, relações que oferecem contorno e atribuem valor. Muitas pesquisas que vêm sendo realizadas nos últimos anos apontam para os déficits à exposição excessiva às telas: dificuldades de socialização, baixo desempenho escolar, transtorno de sono e alimentação, problemas visuais, sedentarismo, obesidade infantil.

2.  Pais com extrema dificuldade de exercer a autoridade e conduzir o processo de aprendizagem de seus filhos desde pequenos. Como tenho trazido com frequência em meus artigos, também como impacto do excesso de informações que se oferece nas redes atualmente, os pais vêm se tornando cada vez mais inseguros em relação a como conduzir e formar seus filhos. Crianças sem limites claros, sem direcionamento, certamente encontrarão dificuldades de se adequar ao entorno, de dominar seus impulsos corporais quando isso se fizer necessário, de ficar atentas às atividades que exigirem mais esforço. Prestar atenção e conter impulsos também se aprende ao longo do processo de crescimento.

3.  Expectativas equivocadas em relação à infância. Vejo, com certa surpresa, que, por um lado, os pais têm dificuldade de oferecer contorno aos pequenos e ajudá-los a ganhar, paulatinamente, a capacidade de maior atenção e autodomínio; por outro, esperam que isso aconteça quase que de modo espontâneo junto com o aparecimento da linguagem, quando consideram que a criança já é capaz de entender a necessidade de maior atenção (ledo engano).

Em primeiro lugar, é preciso saber que a criança, quando começa a falar, sabe muito pouco sobre o que fala e, basta observar atentamente um pequeno falando, que notaremos quanta incoerência e quanta fantasia misturada com realidade – é isso mesmo e está tudo bem. Faz parte do processo de aquisição da linguagem. Em segundo lugar, porque simplesmente “saber” que algo é bom não nos dá a capacidade de realizá-lo. É preciso que haja uma educação da vontade, que se ensine à criança a possibilidade de se determinar com força o que é bom. Isso a tornará capaz de, com o tempo, agir de modo mais adequado.

É preciso saber que ser criança é ser curioso, se movimentar bastante, querer tocar, mexer, cheirar, apertar… são as possibilidades que têm de conhecer o mundo e é excelente que sejam assim. Ou seja, ser criança é necessariamente ser agitado e ativo. No processo de crescimento e de aprendizagem é que se forja a capacidade de domínio corporal e de atenção.

Tudo isso não significa que não existam casos de transtornos. É evidente que existem e que se beneficiam de um bom diagnóstico. No entanto, meu alerta vai no sentido de que é preciso ter muito cuidado para que esses diagnósticos sejam realmente benéficos por terem sido feitos com todo o cuidado e critério. Caso contrário, medicaremos o desenvolvimento normal da criança ou simplesmente a estimulação inadequada que foi oferecida, e a criança, que poderia com um bom estímulo superar essa dificuldade, fica fadada a um diagnóstico que pode limitá-la ou prendê-la a um medicamento desnecessariamente.

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