Sobre o saber querer

Vivemos em uma época em que os quereres estão supervalorizados. Todos querem, e querem muito, querem intensamente e lutam por defender seus quereres. 

Muitos podem acreditar que se trata de um movimento muito positivo no sentido de ser um sinal de que as pessoas estão crescendo em conhecimento próprio, identificando o que querem da vida e colocando os meios para alcançar os objetivos. Sim, de fato, se assim fosse, seria uma maravilha.

O que vemos, no entanto, são pessoas muito voltadas para si mesmas e movidas por seus desejos, pela busca de conforto ou de prazer. Esse movimento aponta muito mais para o crescimento de comportamentos egoístas, pouco envolvidos com o bem comum. Infelizmente, esse comportamento é fruto de anos e anos de uma ideologia que valoriza o prazer, o conforto, que confunde liberdade com realização de desejos momentâneos, que prioriza a realização própria com uma máxima conhecida por todos nós: “Se eu não estiver feliz, não farei ninguém feliz”. 

Fomos nos convencendo com o tempo de que é possível alcançar a felicidade somente quando fazemos aquilo que nos dá prazer, descanso, tranquilidade – aquilo que “queremos”. Afastamo-nos de um aspecto fundamental da pessoa humana que é a capacidade de se dar, mais ainda, da realização enorme que tal capacidade de se dar aos demais nos gera. 

Nem paramos para refletir no fato de que cada um de nós traz em sua vida a marca radical da filiação, ou seja, todos somos frutos do que nos foi dado por nossos pais: corpo, alimento, afeto, atenção, educação e uma infinidade de dons que marcam nossa biografia. Nada seríamos se tudo não nos tivesse sido dado gratuitamente. E que alegria têm os pais ao se darem aos filhos. 

A realidade que vivemos, de tantos transtornos psíquicos, transtornos de comportamento na infância e adolescência, aumento significativo dos índices de suicídio entre os jovens etc. talvez estejam nos apontando para uma necessidade de reajustar a rota, de lembrar que, como pessoas, precisamos ter um sentido (missão) mais significativo para a vida; precisamos agir na direção de realizar esse sentido para que possamos, de fato, alcançar a verdadeira alegria, aquela que preenche nosso ser.  Estarmos focados em nossas necessidades e prazer gera um imenso vazio e faz de nossa vida uma busca incessante de pequenos momentos de felicidade vinculados à realização de prazeres passageiros e fugazes.

Nesse sentido, precisamos resgatar nossa capacidade de querer. Querer de modo radicalmente humano e não simplesmente de modo animal (em busca de satisfação de necessidades e prazeres imediatos). Querer coisas pequenas, mas que tragam à vida grandes horizontes: querer o bem, querer a verdade, querer o amor que sabe se doar, querer oferecer nossa riqueza interior aos que nos rodeiam e contribuir com nosso melhor pelo bem comum. Querer deixar no mundo marcas de bem.

Para alcançarmos esse novo querer, precisamos treinar nossa vontade. Antes ainda, precisamos crescer na capacidade racional de identificar a verdade e o verdadeiro bem. Dado esse passo, então poderemos determinar nossa vontade na direção correta, apesar das dificuldades que possam aparecer.  Determinar nossa vontade na direção da felicidade maior, aquela que na maioria das vezes demora mais tempo para ser alcançada, apresenta um caminho um pouco mais árduo e exigente, mas, exatamente por isso, nos proporciona melhorarmos como pessoas. 

Na medida em que nós, adultos e pais, formos nos conscientizando da urgência de reaprender a querer, iremos provocar uma revolução silenciosa e fundamental na vida das crianças e adolescentes – a revolução que irá resgatar o verdadeiro sentido e missão da pessoa: amar. 

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o site: www.simonefuzaro.com.br. Instagram: @sifuzaro.

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