É inevitável que nos acostumemos a certas coisas preciosas da vida. De algumas delas, recordamo-nos somente quando vêm a faltar: a respiração, a saúde, a memória. Acostumamo-nos à presença das pessoas e somente quando elas se vão – mesmo que estivessem um pouco distantes – damo-nos conta do tamanho do espaço que preenchiam.
É uma espécie de lei desta vida limitada, que faz com que, para conseguirmos seguir adiante e enfrentar o dia a dia, fechemos os olhos para o que há de sublime. Os pais acostumam-se com o “milagre” de serem pais. Nós, sacerdotes, nos habituamos com o “assombro” de sermos padres. Todos, em maior ou menor medida, não nos maravilhamos suficientemente com o privilégio alucinante de sermos cristãos, criados por Deus e lavados no Batismo.
Talvez isso ocorra porque o Senhor é tão bom e nós tão pequenos, que os seus benefícios de algum modo nos “oprimem” e, por isso, desviamos o olhar de tantas maravilhas. Paradoxalmente, o que mais nos preenche e dá sentido é deixado de lado, pois a sua consideração ininterrupta tornaria desconfortável a vida prosaica, com seus deveres urgentes e práticos.
Por essa razão, temos a necessidade de dedicarmos diariamente algum tempo à oração e de fazermos, periodicamente, um retiro espiritual. Esses momentos de maior contemplação permitem-nos olhar com admiração – e realismo – para a bondade de Deus e a beleza do mundo que nos cerca. É com este espírito de contemplação que devemos celebrar o Natal!
Pediremos a Deus, portanto, que jamais nos acostumemos com este fato único: “Nasceu para nós um Menino” (Is 9,5)! Suplicaremos que a maior notícia da história do mundo – “Deus Se fez homem” – não seja pouco relevante aos nossos ouvidos. Não podemos nos acostumar! Admiremos, fascinados, estupefatos: “Nasceu para vós um Salvador, que é Cristo” (Lc 2,11)… “Para nós”, “para nós”!
A vida mudou, desde nossos primeiros Natais… Pessoas se foram e vieram, nós mesmos não somos iguais. Por isso, pediremos à Virgem que esta celebração não seja insossa ao nosso paladar ou “rotineira” e que tenhamos o mesmo amor e alegria de Nossa Senhora há dois mil anos, pois o Natal se atualiza sempre, na eternidade, na Santa Missa e no tempo. Afinal, o Menino não envelhece, o Evangelho mantém o mesmo frescor e a “Palavra de Deus permanece para sempre” (Is 40,8)!
Peçamos ao Senhor um olhar contemplativo! Perscrutaremos o Presépio admirados, desconcertados e agradecidos! Veremos ali o Menino, Sua Mãe e São José… E também os pastores e uma multidão incontável de todos os tempos, os santos, os nossos antepassados… Estaremos ali, entre as palhas e os animais, com todos eles. Os anjos ao redor envolver-nos-ão de luz: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 14). Então, nós nos ajoelharemos e, sem medo e sem monotonia, adoraremos o Menino. Não nos acostumemos! O Senhor nos convida de novo: vinde, adoremos!