Contra a cultura da morte, um amor que acolhe

É natural e justo que nos sintamos indignados diante do ativismo judicial que tenta legalizar o aborto no Brasil a qualquer custo. Como alertava São João Paulo II na Evangelium vitae, essa é uma manifestação da “cultura da morte” em nossa sociedade.

O aborto, contudo, não gera essa cultura da morte, é gerado por ela. Se o enfrentarmos como apenas uma tendência isolada e não o fruto de uma mentalidade que vai se consolidando, estaremos apenas “enxugando o gelo” e seremos, mais cedo ou mais tarde, superados pela onda que vai crescendo. Para ser efetiva, a luta contra o aborto tem que estar inserida numa batalha maior, contra a cultura da morte.

Essa cultura é caracterizada por um imediatismo desesperançado. Pode ser a perda de esperança atormentada, que leva ao desespero, de quem não vê nenhuma chance de ser minimamente feliz diante daquilo que lhe aconteceu. Pode ser uma desesperança fria e calculista, de quem se entregou a um pragmatismo cínico, para o qual todo ideal e todo afeto são ilusórios, e por isso o que resta é tentar controlar a vida, extraindo dela o máximo de prazer imediato.

Segundo Bento XVI, na base das legislações pró-aborto existe “por um lado, um certo egoísmo e, por outro, uma dúvida sobre o futuro. E a Igreja responde sobretudo a estas dúvidas: a vida é bela, não é algo duvidoso, mas é um dom; e também em condições difíceis a vida permanece sempre um dom. Portanto, é preciso voltar a criar esta consciência da beleza do dom da vida. E depois, outra coisa, a dúvida do futuro: naturalmente há tantas ameaças no mundo, mas a fé nos dá a certeza de que Deus é sempre mais forte e permanece presente na história e, portanto, podemos, com confiança, também dar a vida a novos seres humanos. Com a consciência de que a fé nos dá sobre a beleza da vida e sobre a presença providente de Deus no nosso futuro, podemos resistir a estes medos que estão na base destas legislações”.

A cultura da morte é combatida com essa consciência da beleza da vida, por meio do afeto que acolhe e mostra uma esperança onde antes só havia desespero ou cálculo individualista. Existe uma luta jurídica, absolutamente necessária, em defesa da vida. Contudo, temos que ter claro que a luta contra a cultura da morte deve transcender esse aspecto legislativo, deve ser também um trabalho formativo e um acompanhamento solidário que desperta para a confiança no amor, a beleza da vida e a esperança no futuro, pois todas essas três coisas faltam na cultura da morte e na opção pelo aborto.

Frequentemente, nossas campanhas são deturpadas como se estivéssemos apenas culpando e punindo as mulheres, fazendo com que elas se sintam menos amadas e respeitadas por causa disso. Precisamos aprender sempre mais a mostrar que a luta pró-vida é uma luta por amor tanto às crianças que estão por nascer quanto a suas mães. Uma mulher grávida, em dificuldade, deve descobrir-se amada por aqueles que lutam contra o aborto, ela e seu bebê devem receber o afeto e o apoio necessários para que ambos levem a vida para frente, para que a criança nasça e ambos, mãe e criança, experimentem a beleza da vida e do amor.

Não se trata de um afeto abstrato. Implica gestos concretos, apoios psicológicos, familiares ou mesmo econômicos. Quando uma criança morre abortada, a responsabilidade raras vezes é somente da mãe; quase sempre, existe um conjunto de pessoas que a levaram a isso ou deixaram de lhe dar o apoio que lhe permitiria levar a gravidez à frente. Uns e outros, por empenho com o mal ou por omissão diante do bem, colaboram com a cultura da morte.

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