II Congresso Internacional discute os desafios e as perspectivas para a defesa da vida

Evento reuniu especialistas de diferentes países, assim como religiosos e parlamentares brasileiros para debater políticas públicas e fortalecer a conscientização sobre a dignidade do ser humano desde a concepção até a morte natural

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Janaina Viana, da Diocese de Cam­po Limpo, interrompeu sua rotina in­tensa de trabalho, família e estudos para dedicar três dias ao que chamou de “renascimento pessoal”.

“Toda vez que chegava ao audi­tório, eu me sentia entrando em um útero. Minha visão, meu entendimen­to e minha fé estavam sendo gerados nesses dias para uma vida nova, mais consciente e atuante na causa pró-vida”, disse a jovem estudante de Medicina, que prestigiou o II Congresso Interna­cional Vida & Família: desafios e pers­pectivas, realizado de 28 a 30 de mar­ço, no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Aproximadamente 50 especialistas, religiosos, ativistas sociais e parlamen­tares se revezaram no palco para discu­tir temas relacionados à valorização da vida e o fortalecimento da família na sociedade, com um foco especial nos desafios jurídicos e educacionais da luta contra o aborto.

O Congresso foi organizado pela Rede Colaborativa Brasil, um movi­mento que reúne entidades e pessoas que atuam na promoção e defesa da vida desde a concepção até a morte na­tural, por meio de eventos, formações, articulação política, apoio a gestantes em situação de vulnerabilidade e cam­panhas de conscientização.

REFAZENDO O CAMINHO APÓS UM ABORTO

A escolha da cidade e da data para a realização do evento foi estratégica, pois se deu próxima à Solenidade da Anunciação do Senhor, 25 de março, fazendo ecoar o “sim” de Maria à vida, que trouxe salvação à humanidade. Nesse mesmo dia, no Santuário São Judas Tadeu, foi inaugurado o Memo­rial da Esperança, uma escultura criada pelo artista eslovaco Martin Hudácek e que simboliza a misericórdia e a cura emocional para aqueles que enfrentam as consequências do aborto (leia mais na página 11).

Zezé Luz, presidente e fundadora da Rede, conhece de perto as dores da chamada “síndrome pós-aborto”. Aos 19 anos, ela foi sequestrada, sofreu vio­lência sexual, ficou grávida e abortou o feto. Essa decisão lhe trouxe graves consequências físicas e psicológicas, como uma profunda depressão e inú­meros problemas de saúde.

Diante dessa experiência, Zezé de­cidiu se dedicar inteiramente à cau­sa pró-vida. Em 2016, fundou a Rede Colaborativa Brasil e tem inspirado milhares de pessoas por meio de pa­lestras, de testemunhos e da música, já que também é cantora católica. Ela fez algumas breves apresentações musicais durante o Congresso.

‘BALUARTES DO BEM’

Na palestra magna do evento, na sexta-feira, 28, o Cardeal Odilo Pedro Scherer encorajou os participantes a perseverarem com esperança nos es­forços para salvar vidas: “Essa missão essencial de proteger a vida humana faz de cada um de vocês verdadeiros baluartes do bem. Cada pessoa e cada instituição aqui representada, por me­nor que seja, deve ter a certeza de que, se seu trabalho salvou uma única vida, já valeu a pena. Diante das incontáveis vidas que se perdem, cada vida preser­vada já vale a pena todo o trabalho”. O Arcebispo Metropolitano de São Paulo também lembrou que a defesa da vida é parte da temática da Campanha da Fraternidade deste ano – “Fraterni­dade e Ecologia Integral”.

“Não devemos pensar apenas na defesa do meio ambiente, dos animais, dos recursos e riquezas naturais. A Ecologia Integral é contemplar o ser humano como parte do ambiente. Cui­dar bem do ambiente significa cuidar também da pessoa humana. É inco­erente ter muitas preocupações com tantas frentes de vida, mas um grande descuido em relação ao ser humano”, enfatizou o Cardeal.

UM ‘NÃO’ NADA LEGAL À VIDA

Um dos temas mais debatidos no Congresso foi a abordagem do aborto no âmbito jurídico. Advogados e par­lamentares denunciaram as estratégias de grupos que buscam enfraquecer a proteção ao direito fundamental à vida, subordinando-o a pautas ideológicas.

“Em um dos casos que acompanhei, a gestante recebeu um parecer autori­zando a interrupção da gravidez sob a justificativa de risco à vida. No entan­to, esse laudo foi assinado por um psi­cólogo, que alegou um possível abalo emocional caso a gestação prosseguis­se. Nesse caso, não houve indicação de risco iminente à saúde física da mulher ou qualquer patologia grave, mas sim uma manobra para fundamentar deci­sões favoráveis à interrupção da gravi­dez”, exemplificou o advogado Tales de Melo.

“Quem defende a vida enfrentará a devida perseguição”, assegurou o de­fensor público federal Danilo Martins, recordando os casos das juízas Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, deGoiás, e Joana Ribeiro Zimmer, de San­ta Catarina, investigadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por não au­torizarem a prática do aborto.

PROPOSTAS LEGISLATIVAS

A advogada Andrea Hoffmann, pre­sidente do Instituto Isabel, mencionou diversos Projetos de Lei (PLs) em tra­mitação na Câmara dos Deputados que buscam garantir direitos fundamentais à vida desde a concepção. Entre estes está o PL 2469/2023, que institui o Pro­grama Nacional de Cuidado Integral para os Primeiros Mil Dias de Vida, considerando como marco inicial a concepção, e não apenas o nascimen­to. Já o PL 1904/2024 propõe tipificar como crime hediondo o aborto realiza­do após a 22ª semana de gestação, uma vez que, a partir desse período, o bebê já é considerado viável fora do útero, podendo sobreviver com suporte mé­dico adequado.

Andrea também ressaltou o proje­to de lei do Estatuto do Nascituro (PL 434/2021), cuja primeira redação data do ano de 2007, e que visa a garantir ao nascituro direitos civis, equiparando às proteções concedidas às pessoas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Estatuto do Idoso.

Outro projeto mencionado por ela é o PL 102/2023, que trata do direito ao sepultamento em casos de perdas fetais e bebês natimortos, assegurando às fa­mílias o direito de prestar homenagens e realizar os ritos funerários, prática muitas vezes impedida.

A advogada também enfatizou que é equivocado afirmar que há “aborto legal” no Brasil: “O aborto é crime no Brasil em todas as hipóteses. O que exis­te são excludentes de punibilidade nos casos de gravidez resultante de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia fe­tal. Portanto, quando se fala em ‘aborto legal’ ou ‘interrupção legal da gestação’, essa é uma terminologia equivocada, pois, juridicamente, o aborto continua sendo crime, ainda que a punição não seja aplicada”.

EDUCAR E INFORMAR A FAVOR DA VIDA

A educação foi um eixo central para muitos temas. Dom Carlos Lema Gar­cia, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, destacou o papel fundamental da educação na defesa da dignidade humana e a neces­sidade de combater a desinformação sobre o aborto, a fim de promover uma cultura de respeito e proteção à vida.

“A defesa da vida começa na for­mação das consciências. Se educar­mos nossas crianças e jovens para reconhecerem a sacralidade da vida, teremos uma sociedade que não só respeita, mas que também luta pela dignidade de cada ser humano”, su­blinhou o Bispo.

Outro palestrante do evento foi o norte-americano Bradley Mattes, presi­dente do Life Issues Institute (Instituto para Assuntos da Vida), que tem entre suas missões desenvolver e disseminar, globalmente, materiais educacionais eficazes em defesa da vida.

“A desinformação é o maior inimi­go da causa pró-vida. Muitas pessoas desconhecem as consequências físicas e emocionais do aborto para as mulhe­res, ignoram seu impacto psicológico nos homens e não sabem das inúmeras alternativas disponíveis para preservar a vida. Nosso compromisso é investir em esclarecimento para mudar essa re­alidade”, disse à reportagem. Alexandra Maria Linder, presidente federal da campanha “Direito à Vida para Todos” na Alemanha, lembrou que em seu país o aborto é ilegal, mas não punível em determinadas circuns­tâncias, como em casos de risco à vida da gestante ou gestação resultante de estupro. No entanto, em muitas situa­ções, a interrupção da gravidez tem pa­recer favorável, a partir de diagnósticos que de modo algum representam risco à mãe e à criança, como nos casos de fissura labiopalatina (palato aberto) ou pelo fato de o dedo do bebê em forma­ção estar mais curto que o normal.

UM ‘CAMPO DE CONCENTRAÇÃO’ NO BRASIL

Dom Antônio Augusto Dias Duar­te, Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, foi enfático: “Existe um ‘campo de concentração’ no Brasil. Mi­lhares de vidas brasileiras estão agora mesmo em ‘câmaras de gás’”.

A alusão foi em referência à ferti­lização in vitro, técnica de reprodução assistida amplamente utilizada por ca­sais que enfrentam dificuldades para engravidar. O Bispo alertou para as consequências bioéticas desse méto­do, que envolve a produção de múlti­plos embriões, dos quais muitos aca­bam congelados indefinidamente ou descartados.

“Não podemos ignorar que esses embriões são vidas humanas reais, que possuem dignidade e direitos. Eles es­tão sendo mantidos em tubos com ni­trogênio líquido. Ora, isso não se as­semelha a uma câmara de gás? Se nós não os reconhecermos como filhos de Deus, assim como nós, quem o fará?”.

Italo Marsili, médico psiquiatra e fundador da Faculdade Mar Atlântico, destacou que a defesa da vida deve ser um tema de interesse de todas as pes­soas: “Ser pró-vida não deveria ser um movimento, um instituto ou uma asso­ciação. Deveria ser a norma, parte do nosso cotidiano e um princípio com­partilhado por toda a sociedade. Afi­nal, a alternativa a isso é ser pró-morte, e esse sim deveria ser o pensamento de um grupo pequeno, formado por pes­soas que perderam a clareza mental e espiritual”.

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