Coragem, eu venci o mundo!

Esta edição do O SÃO PAULO traz uma reportagem especial sobre o aumento da perseguição aos cristãos ao redor do mundo, conforme recentemente divulgado no relatório anual da organização internacional Portas Abertas. As agressões aos cristãos assumem formas variadas, a depender da região e de sua motivação ideológica: desde penas capitais a ex-muçulmanos que “apostataram” ao se converterem ao Cristianismo, até pressões familiares ou sociais, passando por discriminação no acesso a empregos ou a serviços públicos, até mesmo em se tratando de remédios e tratamentos de saúde.

Além dessas formas mais ostensivas e violentas de perseguição, parece vir crescendo no mundo, no entanto, a chamada “perseguição religiosa educada”, de que já pudemos escrever em abril passado (JOSP nº 3.343). Trata-se, em suma, de “novos ‘direitos’ ou normas culturais, que (…) remetem as religiões ‘para a obscuridade silenciosa da consciência do indivíduo ou relegam-nas para os recintos fechados das igrejas, sinagogas ou mesquitas” (cf. Papa Francisco, Evangelii gaudium, 255).

Desde que escrevemos essas linhas, testemunhamos vários casos de repressão da liberdade de consciência e de expressão – que acabam cerceando também a liberdade religiosa. Na Argentina, após a grande movimentação dos médicos pró-vida em repúdio à “legalização do aborto”, a militância internacional (v.g. a ONG Global Rights) já vem falando em restringir o direito à objeção de consciência, ao argumento de que ela teria uma “natureza antidemocrática”, e por isso “não pode constituir uma barreira” ao aborto. Na prática, estaria obrigando o médico cristão a escolher entre renegar sua fé ou ir para a prisão. Nos Estados Unidos, alguns pais já perderam a guarda dos filhos menores de idade por se recusarem a concordar com a chamada cirurgia de “transição de sexo”.

Em países na Ásia, templos católicos e cristãos são fechados; na África, incendiados. Em todo o mundo, percebe-se uma cultura de cancelamento e linchamento social contra qualquer indivíduo que ouse manifestar pontos de vista que discordam do que for considerado “politicamente correto”, sendo comum o preconceito contra pessoas de fé em ambientes “intelectuais”.

A nós, que queremos ser seguidores de Cristo, estes recentes episódios são certamente causa de apreensão. Como cristãos, nós de fato acreditamos que há certas verdades, inscritas na própria natureza humana, sobre os caminhos que levam à verdadeira felicidade ou à desilusão – pois “a vida que não é ponderada não vale a pena ser vivida” (Platão, Apologia, nº 38). No fundo, trata-se de uma posição não apenas religiosa, mas também filosófica: o pré-cristão Sócrates já falava sobre a existência de agraphoi nomoi, “leis não escritas”, de origem divina e universalmente válidas, que carregam em si mesmas a punição para aqueles que as quebram (Xenofonte, Memorabilia, 4, 4, 19ss.). A prevalência de uma filosofia de vida sobre outra (e aqui está o ponto) deveria ser conquistada com base no testemunho pessoal e na argumentação racional respeitosa, mas também sincera e aberta à verdade – e não com base na repressão estatal.

Em certo sentido, porém, estas perseguições não nos surpreendem. Nosso Senhor, afinal, já nos advertira: “No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33; cf. Mt 5,11-12). Busquemos todos, então, pela caridade e pelo respeito, viver em paz com todas as pessoas (cf. Hb 12,14; Rm 12,18) – mas estejamos também prontos, se preciso for, a pagar o preço do testemunho da verdade.

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