Celebramos na quinta-feira, 19, a grande e bela Solenidade de Corpus Christi, que foi instituída pelo Papa Urbano IV, inspirado pelas visões de Santa Juliana de Liège e pelo milagre eucarístico de Bolsena/Orvieto. Em um grande sinal da Providência divina, naquela época estavam vivos e atuando dois ilustres santos e intelectuais da história da Igreja: São Tomás de Aquino e São Boaventura – e o Papa encarregou os dois de redigirem os textos litúrgicos a serem usados na nova missa de Corpus Christi.
Conta a tradição que quando ambos se apresentaram ao Pontífice para lhe mostrar seus respectivos trabalhos, coube a Tomás começar – e conforme ele lia o Lauda Sion, o Pange Lingua e o Adoro Te Devote, seu irmão franciscano, levado às lágrimas pela profundidade teológica e sublimidade lírica dos textos do Aquinate, rasgou o que ele próprio havia escrito, para que o Papa legasse à história aquelas gemas de Tomás. E de fato esses textos, nas palavras do Papa Bento XVI, “são obras-primas em que se fundem teologia e poesia”, pois “fazem vibrar as cordas do coração para expressar louvor e gratidão ao Santíssimo Sacramento, enquanto a inteligência, insinuando-se com admiração no mistério, reconhece na Eucaristia a presença viva e verdadeira de Jesus, do seu Sacrifício de amor que nos reconcilia com o Pai e nos confere a salvação” (Audiência geral de 17/11/2010).
No curto espaço de que dispomos, relembremos, então, alguns trechos do Adoro Te Devote (e o leitor é convidado a ouvi-lo, na internet, em sua belíssima versão gregoriana). Segue uma tradução livre, com alguns comentários:
“Eu Vos adoro devotamente, ó Divindade escondida, que estais presente de verdade, ainda que de forma oculta, debaixo destas aparências de pão e vinho. Meu coração a Vós se submete todo inteiro, pois todo inteiro desfalece ao Vos contemplar”. Afirma-se aqui, o dado básico da Presença Real: a Eucaristia é realmente Deus – não como um símbolo, mas sim na mais pura e literal verdade, ainda que de forma oculta.
“Em Vós se enganam visão, tato e paladar: e, no entanto, crê-se com segurança apoiado na audição. Creio em tudo o que disse o Filho de Deus, pois nada é mais verdadeiro do que esta Palavra da Verdade”. De fato, nossos sentidos não percebem, na Eucaristia, nada além de pão e vinho – e, no entanto, o mesmo Jesus Cristo que é a Palavra por meio da qual tudo foi criado (cf. Jo 1) e que se define como “a Verdade” (cf. Jo 14,6) disse claramente: “Isto é o meu corpo” (Lc 22,19-20), “a minha carne é verdadeiramente uma comida” (Jo 6,55-56).
“Na cruz se escondia vossa Divindade, mas aqui se esconde também vossa Humanidade. Creio em uma e em outra, e peço-Vos o mesmo que Vos pediu o ladrão arrependido”. Tomás aqui dá mais um argumento para acreditarmos na Eucaristia: na Cruz, Jesus não tinha graça nem beleza, e foi desprezado como a escória da humanidade (cf. Is 53,2-3) – nem por isso Ele deixou de ser Deus. Ora, se é assim, então Ele pode perfeitamente permanecer verdadeiro Homem, apesar de aparentar a pequenez de um pão.
“Ó memorial da morte do Senhor! Ó pão vivo, que dais a vida ao homem! Dai à minha mente viver só de Vós, e fazei que Vosso sabor lhe seja sempre doce!”. Tomás alude aqui ao Êxodo de Israel do Egito: primeiro, porque foi lá que Deus instituiu a Páscoa judaica, como memorial a ser celebrado de geração em geração, para recordar e tornar presente aquela obra salvadora divina (cf. Ex 12,14). Mas também porque o povo, que tinha cabeça dura, foi ingrato para com o Maná – o pão divino que caía do Céu para o alimentar durante a peregrinação do deserto – e logo começou a reclamar de seu gosto.
Peçamos, então, também nós, que o bom Jesus não permita que nos “acostumemos” com a Eucaristia, que ela se torne amarga para nós – pelo contrário, que seja sempre nosso consolo, nosso refúgio, nosso doce encontro com o Senhor!