Crises de santos

Nos primeiros anos do século XIII, a Igreja passava por um momento bastante delicado em toda a Europa. Muitos fiéis já não tinham mais clareza sobre a doutrina católica, e até mesmo alguns sacerdotes não levavam suas vidas à altura do Evangelho. A própria paz interna se via ameaçada, ocasionalmente, por guerras fratricidas entre povos cristãos, e alguns desvios e abusos nas Cruzadas minavam a confiança do povo cristão nos cavaleiros que se propunham a defender os peregrinos à Terra Santa.

No meio de toda esta confusão, Deus inspirara um jovem de família bastante abastada, chamado Francisco de Assis, a uma vida de profundo amor a Cristo e desapego das criaturas. Depois de renunciar aos confortos de sua residência familiar e viver como mendigo, Francisco viu-se certo dia a rezar numa capelinha caindo aos pedaços, chamada Igreja de São Damião. No recolhimento de sua oração, Francisco ouviu o Crucifixo chamá-lo: “Francisco! Francisco! Reconstrói a minha Igreja – que, como vês, está em ruínas”. O jovem pôs-se sem demora a providenciar tijolos e tintas para reformar a capelinha – mas com o tempo percebeu que a interpelação de Cristo significava um convite à reforma espiritual da Igreja inteira, por meio de um renovado ímpeto de vivência do Evangelho.

Depois de alguns percalços, Francisco conseguiu uma audiência com o Papa Inocêncio III, a quem pediu autorização para fundar a futura Ordem dos Frades Menores, destinada à vivência radical da vida cristã, com uma renovada ênfase na pobreza evangélica – mas reconhecendo, ao mesmo tempo, a autoridade da hierarquia constituída por Cristo e a utilidade e o valor dos bens materiais, quando corretamente ordenados a Deus.

Poucos anos antes, no entanto, havia surgido algumas seitas, como por exemplo, a dos valdenses, que, a pretexto de um “radicalismo” autor mal compreendido, defendiam a desobediência ao Papado e uma mal compreendida rejeição de todo e qualquer bem material – e, por isso mesmo, Inocêncio III se mostrou inicialmente inclinado a recusar o pedido de Francisco.

O Papa teve, no entanto, um sonho, em que via a catedral da Diocese de Roma tremendo e ameaçando ruir, mas sendo sustentada no lugar aos ombros do pobre mendicante que lhe viera pedir a bênção. O Santo Padre logo entendeu, então, o sentido espiritual do carisma franciscano, e aprovou a criação não apenas da Ordem Franciscana, mas, também, de outra ordem mendicante, a dos Dominicanos. Nas décadas que se seguiram, essas duas ordens irmãs foram responsáveis por um enorme reflorescimento do Cristianismo na Europa, fazendo do século XIII o “século de ouro” da cristandade medieval. A lição que nos fica desse episódio histórico é que, na visão dos santos, as dificuldades na sociedade e na Igreja se resolvem sempre com um único remédio: a santidade pessoal, numa vita abscondita cum Christo in Deo, numa “vida escondida com Cristo em Deus”. As crises mundiais são, no fundo, crises de santos: e a verdadeira paz só permanecerá quando houver um punhado de homens de Deus em cada setor da sociedade.

Certa vez, um repórter inoportuno perguntou à Madre Teresa de Calcutá qual seria a primeira coisa que ela mudaria na Igreja, se tivesse a autoridade… Qual foi sua resposta? “A primeira coisa que eu mudaria seria… eu mesma!”. Comecemos, então, a reforma espiritual da Igreja, eu e você: abrindo-nos a Cristo, buscando intimidade com Ele na oração, recebendo com devoção e frequência (especialmente neste tempo quaresmal) o sacramento da Confissão, e comungando com piedosas orações. Eis aí um caminho seguro para a paz.

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