A Primeira Carta de João, no Novo Testamento, é iniciada com a seguinte expressão: “Deus é amor”. O Papa Bento XVI escreveu sua primeira encíclica iniciando com essa mesma expressão, mas em latim: “Deus caritas est”, na qual mostra sua preocupação com o sentido da palavra amor, pois a ela se associam significados completamente díspares.
Por sua vez, a língua grega, na qual foi escrito o Novo Testamento, possui pelo menos quatro verbos para o correspondente em língua portuguesa “amar”: stergein, erän, philein e agapan. (HENRY, Antonin-Marcel. Introdução e notas sobre a caridade. In: AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, v.5, II Seção da II Parte – Questões 1-56. São Paulo: Loyola, 2004, p.287).
Stergein não é um verbo encontrado na Bíblia e está reservado para o amor entre pais e filhos, natural no ser humano.
De fato, em sua encíclica, Bento XVI não menciona storge ao esclarecer que há três palavras gregas na Bíblia para indicar o amor: eros, philia e agape.
Pois bem, o verbo grego erän, que dá o substantivo eros, designa o amor apaixonado e carnal. Aparece raramente no Antigo Testamento, como quando evoca o amor pela sabedoria (Sb 8,2). Não é encontrado no Novo Testamento.
Philein, por sua vez, é o verbo que indica a amizade, correspondente a um afeto natural que não se adapta ao mandamento de Jesus de amar o inimigo.
Aristóteles, em contrapartida, na sua Ética a Nicômaco, se dedicou de modo especial a essa relação humana conhecida pelo substantivo philia, pois para ele é o que há de mais necessário para a vida, já que apenas status social, poder e prosperidade de nada valem sem amigos. A justeza desse “amor-amizade” exige reciprocidade: “quando a amizade é entre desiguais, deve haver um princípio de proporção, segundo o qual quem recebeu mais pela superioridade das ações da outra parte deve retribuir com uma medida maior”.
De todo modo, Aristóteles reconhece que há uma grandeza em fazer o bem gratuitamente, sem esperar receber nada em troca; porém aí já não se trata de amizade, mas de caridade.
O conceito grego de amor mais próximo do conceito de caridade é o do verbo agapan, que dá a ideia de eleição, de livre escolha, de decisão, de doação. Nesse sentido, é possível escolher fazer o bem ao outro, mesmo sem retribuição, por vontade livre, não por inclinação natural. Interessante que o substantivo agapè é extremamente raro no grego profano.
Foi no Novo Testamento que essa palavra grega se difundiu e no qual é encontrado 117 vezes, sendo 75 vezes nos textos de Paulo e 25 vezes nos de João (HENRY, op. cit.)
O ágape expressa uma complexidade de atitudes, posto que os evangelistas utilizam essa mesma palavra para falar da predileção do Pai pelo Filho Jesus, da compaixão do bom samaritano, do respeito e da ligação do centurião pela nação judaica, do gosto dos fariseus pelos primeiros lugares e da virtude por excelência dos discípulos de Jesus Cristo. Fato é que a palavra ágape, nos escritos neotestamentários, se apresenta como o mais nobre dos amores em duas direções: para com Deus e para com os homens, variando conforme o texto (BOBINEAU, 2010).
Para Bento XVI, Jesus Cristo inverteu a lógica do eros como deus para o Deus que é Ágape e que quer que todos sejamos como Ele.
O mandamento de amar até o inimigo é a magna carta da não violência cristã, que quebra a corrente do mal e da injustiça no mundo. A disposição de espírito própria do amor ágape é a que vê no outro alguém igual a si, com virtudes e pecados; dotado de uma dignidade própria que independe de ser, saber, ter ou agir; depende somente do fato de ter sido criado à semelhança de Deus.
O Amor ágape é a novidade trazida pelo Evangelho e atua de forma silenciosa por atos heroicos do cidadão comum, dos pequenos, que acreditam nesta mensagem e no seu Mensageiro.