Passados alguns dias do fim da eleição, queria discutir sobre o lugar de Deus e da religião no cenário pós-eleitoral. Verdade seja dita: desde a redemocratização do País, esta foi a campanha em que a religião foi mais vicejada no espectro partidário, deixando severas sequelas, não tanto para Deus ou para a religião, mas para aqueles que creem em Deus.
Entre as sequelas, uma difícil argumentação sobre a onipotência divina. Candidatos foram apresentados por ministros religiosos como emissários de Deus, paladinos dos valores religiosos, arautos do Evangelho. Findado o pleito, alguns não foram eleitos. Aos operadores do sagrado, aos hermeneutas do divino, impõe-se agora a necessidade de explicar como um Deus que tudo pode não elegeu aquele que afirmavam ser o Seu escolhido. Se não for possível uma resposta lógica, cabe aprender que nem sempre as nossas convicções político-partidárias podem ser travestidas de ideias teológicas, imputadas a Deus. Não podemos impor a nicho religioso qualquer que seja – particularmente ao cristão – outro messias que não aquele que foi crucificado em Jerusalém.
Outro ponto é a credibilidade dos homens que falam em nome de Deus. Alguns ministros identificaram o projeto do Reino – que é de Deus – com os objetivos de figuras políticas. Essas personagens capitalizaram esse apoio e, muitas vezes, instrumentalizaram denominações religiosas inteiras. Aquelas que não foram em sua totalidade cooptadas, cindiram. Criaram irreconciliáveis divisões. Confundir o projeto de Deus com um propósito eleitoral não é uma novidade na história do Cristianismo ou de outras religiões. Igualmente antiga é a ciência de que, todas as vezes que essa aproximação se deu de forma escusa, quem mais perdeu foi a Igreja, ora em sua credibilidade, bem como dos seus ministros, ora em sua capacidade de ser fiel ao Evangelho. Uma vil aproximação da política, eivada de interesses escusos, nunca será o caminho que qualquer Igreja deveria trilhar para cumprir sua missão.
Igualmente foram postos em xeque o valor e o teor de muitas pregações. Falas e discursos que eram verdadeiros panegíricos foram desfraldados em púlpitos, virtuais ou digitais, em favor de um ou outro candidato, nem sempre alinhados com uma interpretação acurada acerca de Deus ou da Igreja. Deve-se dizer que não é ilícito elogiar alguém. Contudo, do ponto de vista da fé – particularmente cristã –, é impossível suster algumas posições. Assim, será natural que, doravante, muitos ponham em dúvida o valor da pregação de muitos oradores sacros. Pairará, ainda por muito tempo, a suspeita sobre qualquer discurso religioso e a qual interesse ele toca. O problema não é o discurso em si, mas a quem ele serve e quem ganha a partir dele. Por longo tempo, gozaremos de um olhar desconfiado, cético e, por vezes, preconceituoso contra as Igrejas e suas pregações.
Urge neste momento um reconhecimento das faltas cometidas. Não apenas um mea culpa de alguns líderes religiosos, mas, sim, para muitos que vivem a fé, assumir um grande erro: alguns instrumentalizaram a religião que diziam defender, causando muito mal aos que creem e reforçando preconceitos e anacronismo imputados aos que professam uma fé sincera. Convém recompor – embora Ele não precise – a credibilidade de Deus. Os ministros do culto são intérpretes de Deus. Necessitam de mediações hermenêuticas claras para, concretamente, interpretarem seus desígnios no mundo. Não é possível falar apenas a partir de conveniências particulares ou de interesses escusos sobre qual é ou seria a vontade de Deus em nossos tempos.
Reuberson Ferreira é sacerdote católico, missionário do Sagrado Coração. Mestre e doutorando em Teologia pela PUC-SP.
As opiniões expressas na seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.
Boa reflexão. Como vivemos em democracia, hoje qualquer pessoa diz o que pensa, não se importando se está prejudicando ou não a outros. Contudo, que sejamos as ovelhas que reconhecem a voz do Bom Pastor para não nos deixarmos ser ludibriados por essa avalanche de mentiras para conquista de votos.