Continuando nossa reflexão sobre o direito ao trabalho em tempos de pandemia, pode-se dizer que, certamente, a medida mais eficaz de solidariedade em função do direito ao trabalho seja uma política pública de empregabilidade resultante da atividade econômica exitosa das empresas privadas, para a qual muito concorre o princípio da subsidiariedade, lembrando a afirmação acima mencionada pelo Papa Francisco, na encíclica Fratelli tutti, da íntima dependência entre os princípios da solidariedade e da subsidiariedade. Para tanto, é de se examinar o conceito do princípio da subsidiariedade e sua relação complementar com o princípio da solidariedade.
“Com base nesse princípio, todas as sociedades de ordem superior devem propor pôr-se em atitude de ajuda (subsidium) – e, portanto, de apoio, promoção e incremento – em relação às menores… O princípio da subsidiariedade protege as pessoas dos abusos das instâncias sociais superiores e solicita estas últimas a ajudarem os indivíduos e os corpos intermédios a desempenhar as próprias funções. Esse princípio impõe-se porque cada pessoa, família e corpo intermédio tem algo de original para oferecer à comunidade” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI, 186).
O grande entrave do desenvolvimento do princípio da subsidiariedade como complemento do princípio da solidariedade para a promoção do direito ao emprego e ao combate do desemprego é a hipertrofia do Estado, sobretudo na atividade econômica no lugar da empresa privada. Deve-se, porém, entender a empresa privada, seguindo Jacques Maritain, em “O homem e o Estado”, como aquela na qual a associação se estende não apenas ao capital investido pelo empresário, mas também aos trabalhadores, com sua participação na gestão e na propriedade por meio de ações, enfim, uma empresa privada estruturada como uma “comunidade de trabalho”, no dizer de Maritain em sua obra “Os direitos do homem e a lei natural”.
Ao Estado, na ordem econômica, cabe uma função supervisora e fiscalizadora da atividade econômica exercida pela empresa privada estruturada democraticamente com a participação dos trabalhadores em todas as dimensões de sua vida interna. No Brasil, o Estado atua, por exemplo, na atividade econômica por meio das agências reguladoras dos meios de comunicação, água, energia elétrica etc., e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, para controle da aplicação da legislação antitruste, uma vez que a atividade econômica, pelo artigo 173 da Constituição, deve ser exercida pela empresa privada.
Ademais, o Estado moderno, sobretudo em países de economia em desenvolvimento, como na América Latina, tem o papel de promover políticas públicas nas áreas da saúde, educação e segurança pública, na linha da descentralização e desestatização, em um regime personalista e pluralista, segundo Maritain em “O homem e o Estado”.
Em conclusão, é de se esperar que o direito ao trabalho e ao combate ao desemprego, como direito humano, profundamente atingido na América Latina em tempos do novo coronavírus, seja recuperado com a aplicação à realidade social e econômica dos países membros dos princípios da solidariedade e da subsidiariedade. Isso faz com que, especialmente, uma política pública de desenvolvimento econômico e da promoção da atividade econômica exercida pela empresa privada, em especial as micro e pequenas empresas, promova a empregabilidade e a renda para os trabalhadores desempregados, e, para os pobres, a efetivação de uma política pública de renda básica.
Renato Rua de Almeida é presidente do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB).
O princípio de subsidiariedade é fundamental para o desenvolvimento do direito natural das pessoas, entretanto o Estado moderno, por um grave desvio, começou a se meter em resolver assuntos da esfera privada, familiar, individual e, a grosso modo, abandonou sua missão de coordenação dos problemas gerais da nações. Resultado: um estado totalitário sem se chamar tal.