“Doa a tua vida!”

Nessa semana que passou, a Igreja celebrou a Solenidade da Epifania do Senhor, ocasião especial em que Deus, no meio dos ritmos e das vicissitudes do tempo, nos manifesta sua glória de forma particular. Para nós, a celebração deste ano foi marcada por belo e dramático contraste: na quinta-feira, 5, com o sepultamento do Papa Bento XVI, acompanhamos o passo final de uma vida de generosa e fértil entrega sacerdotal ao Senhor; na sexta-feira, 6, nosso Cardeal Dom Odilo ordenou para a Arquidiocese dois novos sacerdotes – que, depois de terem sido retirados do povo de Deus para passarem por um período de formação, são agora devolvidos à Igreja, como Alter Christus. De fato, o gesto de se prostrar por terra, logo antes do momento da ordenação, simboliza justamente a reconfiguração total da pessoa do ordenado: morrem os antigos João e Pedro, e ressurgem em seu lugar Padre João e Padre Pedro.

Quem se ordena sacerdote passa a viver numa união íntima e contínua com Cristo Crucificado: “Vive o mistério que é colocado em tuas mãos, e conforma a tua vida ao mistério da Cruz”, diz a Igreja ao neossacerdote, ao confiar-lhe os instrumentos do Sacrifício do Altar. 

Os autores espirituais costumam lembrar que a eficácia e a frutuosidade do ministério sacerdotal são função do amor que o padre tem a Cristo, e da sua generosidade em se fazer consorte da Paixão. Existe, de fato, “uma íntima conexão entre a vida espiritual do presbítero e o exercício do seu ministério” (Pastores Dabo Vobis, n. 24), porque somente um coração sacerdotal inflamado de amor a Cristo consegue arrastar os fiéis: “Nenhuma convicção profunda nasce no incrédulo, até ver as mãos feridas e o coração aflito do sacerdote que é vítima com Cristo. O sacerdote mortificado, o sacerdote desapegado do mundo — estes inspiram, edificam e cristificam as almas” (Fulton Sheen, O Sacerdote não se pertence). O padre, portanto, não deve – não pode – temer a Cruz: ela é o caminho por excelência pelo qual ele fará o dom de si próprio, num amoris officium, ofício de amor (PDV, n. 24).

Quando se decide a seguir o caminho da entrega – com a Cruz às costas e um sorriso nos lábios, e uma luz na alma –, o padre ganha forças para enfrentar os verdadeiros perigos ao seu ministério: o ativismo, que o faz se esquecer de que sem o Mestre nada pode fazer; os respeitos humanos, que o tentam a calar as verdades duras do Cristianismo, para não desagradar aos homens; e a vanglória, que o ilude com fantasias de uma grandeza descolada de Deus.

Esse é o caminho do sacerdote de Jesus Cristo – mas será que ele vale a pena? Recordando ainda o contraste que vivemos nessa semana, ouçamos a este respeito uma palavra do falecido Papa Bento XVI, e uma outra do agora neossacerdote, Padre Pedro. No já longínquo ano de 2005, ao receber o Anel do Pescador e dar início a seu ministério petrino, Bento XVI garantia aos jovens que “quem faz entrar Cristo nada perde – nada, absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentamos o que é belo e o que liberta”. E, nesta última sexta, em suas primeiras palavras após ser ordenado sacerdote, o Padre Pedro dizia algo parecido: “É comum um seminarista ouvir das pessoas um pouco de admiração com as ‘renúncias’ que se faz para entrar no seminário, pra ser padre. Mas a verdade é que – especialmente num momento como esse – parece que não se renuncia a nada! A promessa do ‘cem por um’, de que Nosso Senhor fala no Evangelho, é verdadeira: nós o recebemos já nessa vida. (…) Eu e o Padre João queremos aqui louvar as misericórdias do Senhor!” Misericordias Domini in aerternum cantemus!

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários