Corpus Christi

A festa litúrgica de Corpus Christi, que comemoramos nesta semana em honra da Sagrada Eucaristia, foi instituída em 1264 pelo Papa Urbano IV – que fora, ele próprio, pessoalmente marcado por dois acontecimentos místicos acontecidos nos anos anteriores e, por isso, importantes para compreendermos o sentido da celebração.

Primeiro, as visões de Santa Juliana de Mont-Cornillón, órfã criada pelas monjas agostinianas de Liège, dotada de grande piedade e talento intelectual, e que desde 1209, aos 14 anos, teve visões durante suas adorações eucarísticas. A mística enxergava uma lua cheia, diametralmente traspassada por uma faixa negra – que simbolizam, conforme Jesus a levou a entender, a vida da Igreja, na terra, e a ausência de uma festa litúrgica, para cuja instituição se lhe pedia que colaborasse. Depois de muitos anos guardando estas visões em seu coração (cf. Lc 2,19; 2,51), Santa Juliana decidiu levá-las ao juízo das autoridades eclesiásticas – dentre as quais o jovem arquidiácono Jacques Pantaléon, futuro Papa Urbano IV.

A segunda influência sobre a instituição da festa veio de um milagre eucarístico acontecido em Bolsena, na Itália, em 1263, quando o Padre Pedro de Praga, que rezava a Santa Missa com algumas dúvidas sobre a verdade da Eucaristia, viu a hóstia se converter em carne e verter sangue, imediatamente após a consagração. O Sacerdote interrompeu a celebração e acorreu à vila vizinha, Orvieto, onde então residia o Papa. Absolvido o penitente de sua incredulidade, o Pontífice ordenou uma investigação dos fatos – a cujo termo promoveu uma solene procissão com a hóstia e o corporal manchados de sangue. No ano seguinte, instituiu a Solenidade de Corpus Christi, encomendando os hinos eucarísticos a São Tomás de Aquino, o doctor universalis – aos quais o Papa Bento XVI chamou de “obras-primas em que se fundem teologia e poesia”.

Mesmo quem não tem acesso ao latim da poesia, no entanto, extrairá muito fruto se conhecer ao menos a teologia. Ensina a Igreja que a Eucaristia foi profeticamente prefigurada já no Antigo Testamento: quando o filho Isaac subia o monte carregando o lenho para o holocausto, entregue por seu pai Abraão (cf. Gn 22); ou quando o cativo Israel imolou o primeiro cordeiro pascal, cujo sangue salvou os fiéis do anjo da morte (cf. Ex 12); ou ainda no maná, o pão do céu que a cada manhã nutria o povo no deserto (cf. Ex 16).

Da mesma forma com que a Antiga Aliança se firmava e renovava com os sacrifícios de animais feitos no Templo em expiação dos pecados, também a Nova e Eterna Aliança (cf. Jr 31,31-34; Lc 22,20) foi pactuada com um sacrifício: a Crucifixão, tornada realmente presente a cada vez que nós, católicos, rezamos a Santa Missa.

A hóstia consagrada é verdadeiramente o Cristo. Um objeto pode mudar de aparência, sem perder a substância (a água que se torna gelo), ou mudar tanto uma quanto outra (uma folha de papel que se queima em cinzas) – no caso da Eucaristia, porém permanece a aparência, mas muda a substância: já não é mais pão, mas o Corpo humano do Deus Encarnado. No Calvário, Jesus crucificado ocultou sua divindade – na Eucaristia, Ele esconde também sua humanidade.

É verdade que o que vejo, saboreio ou toco parece pão – mas acima de meus sentidos falíveis está a palavra infalível do próprio Verbo da Verdade, que me declara solene e clarissimamente ser seu corpo (cf. Jo 6).

A um tão grande Sacramento, que nos resta senão cair de joelhos, como os pastores a quem foi dado – como a nós – enxergar a Deus com os próprios olhos (cf. Jó 19,25-27)? Louvemos com São Tomás: Adoro te devote, latens Deitas! – Adoro-te com profunda devoção, ó Divindade escondida!

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