Estamos ainda no Mês das Missões e, tendo abordado nas últimas semanas a eficácia apostólica da vida de oração e da vivência da santidade nas pequenas coisas do cotidiano, queremos hoje tratar de uma parte também fundamental (e não raro negligenciada) da evangelização: a formação humana, intelectual e doutrinária do próprio apóstolo.
É claro que a vida intelectual não é o fim último do cristão (é possível ser santo sem saber teologia!), e nem todos são chamados a se santificar por meio da especulação aprofundada. No entanto, a Igreja sempre valorizou o cultivo da inteligência, inclusive valendo-se da sabedoria alcançada do mundo greco-romano. Santo Agostinho argumentava que, como os hebreus libertos do jugo faraônico haviam legitimamente espoliado os egípcios de seu ouro, prata e finas vestes, para destiná-los já não aos cultos idolátricos mas ao serviço do Deus vivo (cf. Ex 3,21-22), assim também os cristãos, ao deixarem o paganismo, deveriam em justiça manter as partes saudáveis de sua cultura: o ouro e a prata de suas artes liberais (filosofia, lógica, gramática e retórica) e de seus bons preceitos morais (por exemplo, as ideias de que “sofrer a injustiça é pior que praticá-la” ou que “o maior do mundo é aquele infligido à alma”, defendidas no Górgias de Platão) e as finas vestes de suas instituições humanas, políticas e jurídicas (De Doctrina Christiana, II, 40, 60-61).
E, se bem considerarmos a religião cristã, veremos que ela exige, por sua própria natureza, uma cultura da palavra – e justamente por isso é que os mosteiros tornaram-se, após a queda do Império Romano, focos de preservação do patrimônio cultural da antiguidade: “Visto que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, [os monges] precisavam aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê-la na sua estrutura e no seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à procura de Deus, tornaram-se importantes as ciências profanas que nos indicam as vias rumo à língua. A biblioteca, por isso, era parte integrante do mosteiro, assim como a escola. (…) O mosteiro serve para a formação e a erudição do homem – uma formação cujo objetivo último é fazer com que o homem aprenda a servir a Deus. Mas isso supõe precisamente também a formação da razão, a erudição, baseada no qual o homem aprende a perceber, por entre as palavras, a Palavra” (Bento XVI, Encontro com o mundo da cultura no Collège des Bernardins, 12/09/2008).
Junto com esta formação humanística, o apóstolo deve buscar também conhecer a doutrina da Igreja – não apenas a Bíblia, mas o Catecismo, os dogmas, o magistério. Quem, por exemplo, tiver estudado a história da Igreja antiga conseguirá explicar a um irmão protestante, que esteja de boa vontade e com dúvidas sinceras, as incongruências do Sola Scriptura (uma ótima introdução ao assunto, aliás, está no livro “Todos os caminhos levam a Roma”, de Scott Hahn).
Devemos, então, formar-nos para que, tendo contemplado as verdades reveladas por Nosso Senhor, possamos transmiti-las a nossos irmãos, que muitas vezes “se perdem por falta de conhecimento” (Os 4,6). Trata-se de um ato de caridade, pois a ignorância costuma privar as almas da recepção frutuosa dos sacramentos (especialmente a Confissão e a Eucaristia, a “autoestrada para o Céu”, no dizer do Beato Carlo Acutis). Atendamos, pois, ao apelo do próprio São Pedro: “Estai sempre prontos a responder para vossa defesa a todo aquele que vos pedir a razão de vossa esperança” (1Pd 3,15).