O fogo das fake news na palha da indignação

No mundo atual, infelizmente, não faltam razões para os cristãos – assim como para todos os que desejam o bem comum – se escandalizarem. Desrespeito à vida e à dignidade da pessoa, injustiça social, corrupção dos políticos e abuso do poder econômico: a lista é longa e recorrente.

Daí nasce uma sensação de impotência e ressentimento que se torna um terreno fértil para a divulgação das fake news e difamações. As coisas sempre devem ser da pior forma possível e é lógico que aqueles que não pensam como nós estão conspirando nas sombras: finalmente, alguém teve a coragem de dizer aquelas coisas que estavam “entaladas em nossa garganta”. É assim que nos sentimos e, desse modo, tornamo-nos vítimas fáceis dos que querem distorcer a verdade, seja de um lado, seja de outro do espectro ideológico. A indignação se torna como palha seca na qual o fogo das fake news cresce para incendiar e destruir tudo, até mesmo o desejo do bem em nossos corações.

A censura não é uma forma de combater as fake news. Pelo contrário, serve apenas para os que detêm o poder sobre a mídia calarem o lado contrário. Por isso, a polêmica sobre uma lei que iniba as fake news é tão difícil. Nesse contexto, tanto os divulgadores de notícias falsas quanto os denunciados pelas mídias e redes sociais procuram, ainda que de formas diferentes, manter-se impunes.

O Cristianismo cresce como compromisso com o amor e a verdade. Não como compromisso com um ou outro, mas com ambos, pois a suprema verdade é o amor de Deus por nós e seu desejo de que nos amemos uns aos outros. Uma das maiores mentiras atuais é justamente nos fazer pensar que o anúncio da verdade pode ocorrer sem amor ou que o anúncio do amor pode relativizar a verdade.

O empenho com esse compromisso nunca se esgota, pois é o próprio caminho de nossa conversão – que, para o maior pecador ou para o maior santo, dura toda a vida. Por isso, temos que ter o máximo cuidado para não sermos como aqueles que veem o cisco no olho do irmão, mas não enxergam a trave no próprio olho (cf. Mt 7,3).

O combate à mentira é, portanto, em primeiro lugar, um empenho ético de cada um de nós. Isso não elimina a necessidade de regras sociais que combatam as fake news – sem cair nas armadilhas da censura.

Esse é o tema de um amplo artigo publicado nesta edição do O SÃO PAULO. O jornal ouviu vários especialistas, de diferentes áreas, todos ligados à questão. No conjunto das exposições, evidencia-se a dificuldade de encontrar soluções fáceis para o problema. Pode-se, contudo, constatar que já existem instrumentos legais para enfrentar as fake news e o problema se deve, em parte, pelo menos, mais à dificuldade de fazer valer as leis já existentes do que à falta delas.

Além disso, qualquer nova regra a ser criada precisa ser antecedida de um amplo diálogo. As mídias e redes sociais são um ambiente mediado pelos recursos tecnológicos e por normas preestabelecidas. Uma legislação adequada, que coíba as fake news e não incorra em censura, só pode ser criada com um intenso diálogo entre todos os usuários das comunidades virtuais – tanto gestores quanto produtores e consumidores de conteúdo.

Todos somos chamados a enfrentar esse problema, seja com nossa busca pessoal pela verdade, seja com nossa participação em um diálogo social propositivo, orientado ao bem comum e não a interesses particulares.

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