No começo deste mês vocacional, relembrávamos nesta coluna que um dos maiores dons recebidos por meio do Concílio Vaticano II foi trazer à luz a verdade de que, quer sejam padres, religiosos ou leigos, “todos na Igreja (…) são chamados à santidade” (Lumen gentium, n. 39) – e, ao mesmo tempo, advertíamos contra o perigo de entender a vocação como uma iniciativa puramente pessoal, e não como resposta ao chamado divino. Hoje, desejávamos refletir sobre outro perigo de má compreensão desta verdade de fé, que consiste em imaginar que a única forma que os leigos têm de alcançar os níveis mais elevados da vida cristã seria atuar “dentro da sacristia”, dentro do templo.
Sem dúvida que os leigos têm muito a trazer à vida pastoral de nossas paróquias. As pastorais da catequese, da acolhida, do dízimo, dos leitores, do serviço litúrgico, dos jovens e da família, tudo isso faz parte das realidades do mundo que toca aos leigos exercer e cristificar. No entanto, existe também o risco – sobre o qual o Papa Francisco já alertou – de “gerarmos uma elite laical, acreditando que só são leigos comprometidos os que trabalham nas realidades ‘dos sacerdotes’” (Carta ao Cardeal Marc Ouellet, 19/03/2016). E essa advertência do Santo Padre, na verdade, simplesmente ecoa a milenar tradição de nossa Igreja – numa de suas homilias, Santo Agostinho falava de como a vida de santidade não se limita às paredes do templo: “De fato, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja – mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Ora: não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus! Deixas de louvá-lo quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca te desviares do bom caminho, ainda que tua língua se cale, tua vida clamará” (Comentários sobre os Salmos, CCL 40, 2165-2166). E já no século II, os escritores espirituais faziam notar que “os cristãos não se diferenciam dos outros homens nem pela pátria, nem pela língua, nem por um gênero de vida especial. De fato, não moram em cidades próprias, nem usam linguagem peculiar, e a sua vida nada tem de extraordinário. (…) Moram em cidades gregas ou bár- baras, conforme as circunstâncias de cada um; seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer em outros usos; mas o seu modo de viver é admirável e passa aos olhos de todos por um prodígio” (Carta a Diogneto, nº. 5-6)
É hora de compreendermos agora, com uma nova clareza, que Deus nos chama a servi-Lo em todos os âmbitos de nossas vidas: também nas tarefas civis, materiais, seculares da vida humana. No laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho: em cada pequena situação do dia a dia, está escondido algo de santo, divino, que nos toca descobrir, colocando amor e fazendo tudo por Deus. Busquemos, portanto, nesta semana dedicada à vocação laical, instaure omnia in Christo, restaurar todas as coisas em Cristo!