Os pilares da democracia

As falas do presidente Lula, nos últimos dias, têm dado o que falar e provocado diversas críticas na imprensa e nas redes sociais. Em entrevista concedida à rádio Gaúcha no dia 29 de junho, Lula disse que o conceito de democracia é relativo, e referindo-se à Venezuela teceu elogios, afirmando que aquele país é uma democracia que possui mais eleições do que no Brasil. 

Depois, em seu discurso de abertura do Foro de São Paulo, Lula disse sentir-se orgulhoso em ser chamado de comunista e teceu elogios ao ditador Fidel Castro, com quem, em 1985, fundou o Foro de São Paulo, que reúne os partidos de esquerda. Também afirmou que no Brasil “enfrentamos o discurso dos costumes, da família, do patriotismo, ou seja, aqui nós enfrentamos o discurso de tudo aquilo que a gente aprendeu historicamente a combater” 

O jornal O Estado de São Paulo, em editorial de 2 de julho intitulado “A teoria da relatividade de Lula”, critica duramente a fala do presidente em relação à democracia, classificando-a de “um deboche” ao sofrimento do povo venezuelano, relativizando as barbáries perpetradas pelo ditador Nicolás Maduro”. “Para Lula”, continua o editorial, a democracia a bem da verdade, “deve ser mesmo um conceito relativo. Afinal, gente da estirpe de Maduro, Hugo Chávez, Daniel Ortega e Fidel Castro, por exemplo, é tida pelo petista, há tempos, como a quintessência do democrata, pois eles encarnam em sua visão autoritária, as legítimas aspirações do povo.” 

Em sua rede social, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, reagiu à fala do Presidente. Em uma postagem no Twitter, no domingo, 2, o ministro escreveu: “No Brasil, foi apenas após muito sangue derramado que a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 adotou um modelo político democrático baseado em valores e princípios que não podem ser relativizados, como a separação dos poderes e os direitos fundamentais.” E no dia seguinte, completou: “A Constituição de 1988 exige que não sejamos tolerantes com aqueles que pregam a sua destruição; e demanda que não seja tripudiada a memória daqueles que morreram lutando pela democracia de hoje”.

A democracia, de fato, não é um conceito relativo. O que pode ocorrer é que um país pode ser mais ou menos democrático, conforme organize as suas instituições de governo, participação popular e respeito ao Estado de Direito. E é verdade que a democracia admite diferenças em suas formas em diferentes sociedades – pode ser representativa, em que os cidadãos elegem representantes para tomar decisões me seu nome; pode ser direta, quando os cidadãos participam diretamente na tomada de decisões importantes; pode ser presidencialista, parlamentarista, semipresidencialista, apenas para citar exemplos. Mas o que a define, de fato, são os seus princípios fundamentais, a saber:

Igualdade perante a lei: na democracia, todos os cidadãos são considerados iguais perante a lei e têm o direito de participar e influenciar nas decisões que afetam as suas vidas.

Liberdade: a democracia garante liberdades fundamentais, como a liberdade de pensamento, de expressão, de imprensa, de religião e de associação. Os cidadãos têm o direito de expressar as suas opiniões e serem ouvidos, o que não implica em liberdade de ofender, mentir ou injúria. 

Estado do Direito: a democracia se baseia no princípio do Estado de direito, onde as leis são aplicadas igualmente a todos os cidadãos, inclusive aos governantes. Nenhum indivíduo está acima da lei. 

Participação e cidadania: a democracia valoriza e cria vias de participação ativa dos cidadãos na tomada de decisões políticas. Isso pode ocorrer por meio do voto, de consultas públicas, de protestos pacíficos e do envolvimento em organizações da sociedade civil. 

Por fim, é bom esclarecer que a Igreja Católica, como ensina o Concílio Vaticano II (Gaudium et spes, 1965), sendo sinal e salvaguarda da transcendência da pessoa humana, não está atrelada a nenhum sistema político. Ela, contudo, “condena as formas de regime político que impedem as liberdades e os direitos fundamentais do homem” (SORGE, Bartolomeo. Breve Curso de Doutrina Social. São Paulo: Paulinas, 2018. p.59) e elogia as nações em que a maior parte dos cidadãos participa nos assuntos públicos.

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