Por que amamos tanto Maria?

Neste ano, iniciamos o mês de maio, especial- mente dedicado a Nossa Senhora, ainda vivendo o grande júbilo do Tempo Pascal – e essa confluência das celebrações serve para nos recordar que o lugar de Maria na religião católica só se compreende com os olhos voltados ao “mistério divino da salvação”, pelo qual Deus mandou ao mundo seu Filho eterno, feito carne e nascido de mulher, para redimir os homens, constituindo-os em seu corpo místi- co (Lumen gentium, 7.52).

De forma muito simples, a Igreja nos ensina que, embora Deus pudesse ter assumido uma natureza humana sem precisar de uma mãe biológica, não foi isso que lhe aprouve fazer. Pelo contrário, em seus desígnios para a salvação da humanidade, Ele reservou a Maria, desde toda a eternidade, um papel especialíssimo: não apenas o de ser mãe de Redentor, mas, também, de acompanhar seu Filho ao longo de sua vida terrena, e consociar-se, com ânimo materno, a seu sacrifício na cruz (Idem, 53.57-59).

Corroborando essa vocação toda particular, Maria foi prefigurada nas santas mulheres do Antigo Testamento, e prenunciada, desde a queda, a nossos primeiros pais, como a Mulher que pisaria sobre a cabeça da serpente (cf. Gn 3,15). Existem, de fato, paralelos notáveis entre a tentação de Eva, que culminou no pecado original, e a Anunciação do Anjo à Virgem Santíssima, que deu início à nossa salvação: uma cena é como que o reverso da outra. Nos dois casos, um anjo se aproxima de uma virgem sem pecado, e lhe faz uma proposta, que é, então, aceita – a diferença é que a proposta do anjo decaído a Eva era a de desafiar e desobedecer a Deus, ao passo que a proposta do arcanjo Gabriel a Maria era a de cooperar livremente com os desígnios divinos de amor.

Nos últimos séculos, a veneração católica a Nossa Senhora às vezes acaba sendo vista como um fator de divisão da unidade entre os cristãos; justamente por isso, precisamos esclarecer sempre o princípio geral de que tudo o que a Igreja ensina sobre Maria não serve tanto para chamar a atenção para ela, e sim para iluminar o mistério de Cristo. Maria, dizem alguns autores espirituais, é como a Lua: é o mais brilhante dos astros do céu noturno, mas não tem luz própria – todo seu brilho não é mais que reflexo da luz do sol. O antiquíssimo dogma de que Maria é “Mãe de Deus” (em latim Deipara, e em grego, Theotokos), por exemplo, foi definido no meio de intensas discussões teológicas sobre a identidade de Jesus Cristo. Alguns teólogos começaram a defender que havia, em Cristo, duas pessoas distintas (uma humana e outra divina), e que Maria só era “mãe de Cristo”, e não “mãe de Deus”. O grande problema, no entanto, é que, se o homem Jesus Cristo não fosse também Deus, Ele próprio necessitaria de um salvador, como qualquer outro. Jesus era, portanto, verdadeiro Deus – de onde a conclusão de que Maria, sendo mãe de Jesus, era também mãe de Deus, segundo a carne.

O mesmo princípio cristocêntrico nos permitiria explicar igualmente todos os dogmas católicos sobre Nossa Senhora: seus títulos de Mãe da Igreja, de Imaculada e Assunta aos Céus, e, também, a devoção bastante difundida de medianeira de muitas graças. Aliás, em certo sentido, podemos dizer que todas as criaturas cooperam, cada uma a seu modo, com os desígnios salvíficos de Deus: embora a única mediação do Redentor incumba a cada uma delas formas diversas de o fazerem (Idem, 62).

Como católicos, portanto, bus- quemos aumentar sempre mais a nossa verdadeira e salutar devoção à Todo-Santa Mãe de Deus, àquela que, nas palavras de São Bernardo, é tota pulchra sine nota cuiuscumque maculae (“toda bela, sem mancha de qualquer pecado”). Podemos ter certeza de que ela não ordenará nada de diferente do que fez nas Bodas de Caná: “Fazei tudo o que meu Filho vos disser” (cf. Jo 2,1-11).

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