Respostas simplistas não resolvem problemas complexos

A polarização ideológica cria a ilusão de que respostas parciais podem resolver os complexos problemas reais da sociedade. A discussão sobre a descriminalização do porte da maconha para consumo próprio é um exemplo típico. O erro não é discutir o que fazer com o adicto e com o pequeno traficante, aquele que faz a venda final ao usuário. Esse é um aspecto importantíssimo do problema, mas respostas simplistas, do tipo “prende ou libera”, são insuficientes.

Exemplos e dados científicos são quase sempre citados de forma parcial para defender uma posição e não para realmente esclarecer a população, mostrando a complexidade do problema. É verdade, por exemplo, que a maconha não “queima neurônios” como alguns apregoam, mas é inegável que causa modificações na cognição, atenção e concentração, prejudicando o desempenho e a segurança das pessoas. A suscetibilidade à maconha varia: muitos a consomem com a mesma tranquilidade com que bebem um pouco a mais em uma festa, mas outros, encontrando-se já fragilizados emocionalmente, solitários ou com outros problemas psíquicos, podem se perder em função do vício.

Boa parte dessa discussão se fundamenta na ideia de que o máximo de liberdade coincide com a total autonomia da pessoa e que, se alguém quer se perder no vício, a sociedade deve deixar que isso aconteça. Contudo, a plena autonomia não garante a total liberdade. Uma autonomia que é usada para seguir um caminho de dependência e redução das potencialidades e possibilidades da pessoa não leva à liberdade, pelo contrário. Por outro lado, nenhuma família que tem problemas sérios com dependentes químicos gostaria que o Estado se desresponsabilizasse de seus entes queridos, mas deseja políticas públicas que os ajudem a se recuperar.

O encarceramento massivo não é uma solução adequada. O custo do sistema prisional cresce, as cadeias se tornam locais de formação e agenciamento de novos integrantes para as gangues, enquanto os problemas decorrentes da narcodependência e do narcotráfico só aumentam.

A liberação desordenada também não é uma solução. A maconha é uma “porta de entrada” para o consumo de drogas mais pesadas, não tanto por seu efeito orgânico, mas sim porque o contexto da dependência facilita o acesso a outras drogas. É verdade que a probabilidade de um consumidor preto ser preso é maior do que isso acontecer a um traficante branco. Mas, aí, estamos diante de uma questão de racismo e treinamento dos policiais – que não será resolvida com a descriminalização do porte. A realidade de países em que a liberalização ocorreu sem uma política adequada de enfrentamento do crime organizado mostra um deslocamento do narcotráfico para drogas mais pesadas e/ou a exploração conjugada do consumo de drogas com atividades como a prostituição.

Em outubro de 2023, os Cadernos Fé e Cidadania do O SÃO PAULO fizeram uma edição dedicada especificamente ao tema da liberalização das drogas. Existem experiências alternativas com bons resultados ao redor do mundo. A chave do relativo sucesso não está na descriminalização ou liberação das drogas, mas sim na adoção de programas mais amplos de prevenção ao consumo e tratamento dos adictos. Quanto mais integral se revela o programa, maior a sua chance de sucesso.

E aí está a falha da discussão brasileira atual: um aspecto, a determinação do que seria um porte para consumo próprio, preencheu todo o horizonte do debate, nos impedindo de ter uma noção do todo, de optar pelas soluções mais eficientes e de cobrar dos governantes as medidas cabíveis. A lei prevê, por exemplo, que o dependente (que não é traficante) seja encaminhado para programas socioeducativos. Estes programas estão disponíveis? São eficientes? Estas são as questões que deveriam nos ocupar…

Apenas um desenvolvimento humano integral, que enfrenta o problema das drogas e reconhece sua complexidade e suas múltiplas vertentes, pode realmente nos ajudar a encontrar respostas adequadas e não ideológicas para ele.

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