Desde o começo da pandemia até o momento em que escrevemos estas linhas, a COVID-19 ceifou a vida de 1,6 milhão de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O dado é, sem dúvida, lamentável – mas ele muda um pouco de figura, se colocado em perspectiva com as outras causas de morte. Com efeito, a mesma OMS informa que no ano passado houve no mundo um total de 55,4 milhões de mortes – mas este número não contabiliza os bebês que foram mortos no ventre de suas mães. Aqui, sim, o número é assustador: segundo a OMS (e os mesmos dados são confirmados pelo Guttmacher Institute), entre 2015 e 2019, ocorreram, a cada ano, 73,3 milhões de abortos não espontâneos.
Diante destes fatos, é motivo de profunda dor que a Câmara dos Deputados da Argentina tenha aprovado, na semana passada, um projeto de lei que legaliza o aborto até a 14ª semana de gestação. Embora a decisão seja ainda precária e dependa da chancela do Senado (que em 2018 já havia barrado uma tentativa análoga), o fomento de um tal morticínio não deveria ser, numa sociedade sadia, nem sequer aventado como proposta.
Isso significa que, em média, o aborto vem matando, anualmente, 45 vezes mais do que o coronavírus matou neste ano. Se o compararmos com a cardiopatia isquêmica – que depois dele foi a maior causa de letalidade em 2019, com 8,9 milhões –, o aborto ainda mata oito vezes mais. E, mesmo que confrontado com todas as outras mortes juntas (55,4 milhões), o aborto as excede em quase 20 milhões!
É curioso que este projeto de lei tenha sido aprovado num dia 11 de dezembro – pois também neste mesmo dia do ano de 1979 dizia Madre Teresa de Calcutá, em seu discurso ao receber o Prêmio Nobel da Paz, que “o maior destruidor da paz hoje é o aborto (…). Muitas pessoas estão muito preocupadas com as crianças na Índia, com as crianças na África, que morrem em grande número, talvez por desnutrição, por fome, e assim por diante – porém, milhões de crianças estão morrendo deliberadamente pela vontade da mãe, e este é o maior destruidor da paz hoje”.
Já que citamos uma santa canonizada, convém termos clareza de que a condenação do aborto não é, fundamentalmente, uma discussão religiosa – como, aliás, gosta de lembrar o Papa Francisco. A questão, na verdade, é bastante simples: por acaso, é justo que um ser humano elimine a vida de outro, inocente, para resolver um problema? Não é necessário ser religioso para enxergar que não – por isso, o aborto não é uma questão religiosa, é uma questão humana.
Nós, porém, que professamos a fé cristã e estamos próximos do Natal, da chegada deste Príncipe da Paz, podemos muito bem meditar sobre o tema a partir da encarnação do Menino Deus, que também um dia foi feto e nascituro. Quando Ele se encarnou no seio da Virgem Maria, ela pôs-se a caminho da casa de Santa Isabel, para auxiliar sua idosa e gestante parenta. No instante mesmo em que Isabel ouviu a saudação de Maria, “a criança estremeceu no seu seio” (Lc 1,41) – ou seja, um feto (São João Batista) reconheceu a presença de outro (Jesus), e exultou de alegria.
Meses depois, quando Cristo nasceu em Belém, o tirano Herodes ordenou a chacina indiscriminada de todos os bebês inocentes da cidade. Comentando o episódio em seu “A vida de Cristo”, o Venerável Fulton Sheen lamentava, irônico: “Há várias formas de praticar o controle de natalidade…”.