Violência contra as crianças

Na última semana, o Brasil acompanhou estarrecido a tragédia da menina de 10 anos que, violentada durante anos por um parente próximo, veio a engravidar e foi submetida a um aborto. Na sequência do episódio, os esforços que tantos cidadãos empreenderam em defesa das duas vidas (a da jovem gestante e a de sua filhinha de quase 6 meses) foram tachados, por algumas personalidades e meios de comunicação, de fundamentalismo religioso: restringir o aborto, alega-se, seria uma “violência adicional” contra a criança vítima do estupro.

No breve espaço deste editorial, havíamos decidido apontar que a verdadeira violência contra as crianças tem ocorrido cada vez mais, em nossos dias, com sua hipersexualização precoce, e procurávamos um exemplo recente que ilustrasse o ponto, até que… sinal dos tempos! Na mesma semana, uma grande plataforma de streaming divulgou o breve lançamento de um filme sobre uma garota “de 11 anos que quer pertencer a um grupo de meninas da sua idade que dançam sensualmente”. É isso mesmo: garotas de 11 anos, que dançam sensualmente, transmitidas numa plataforma de streaming como algo corriqueiro. O cartaz mostrava quatro crianças seminuas, em poses sensuais (o chamado “twerking”). A plataforma, depois de receber uma avalanche de críticas nas redes sociais, se desculpou pelo cartaz (a quem chamou de “inadequado”) e alterou a descrição do filme – mas manteve agendado o lançamento, embora seja difícil entender como pode um cartaz ser “inadequado”, e ser “adequado” o filme que diz respeito ao mesmo conteúdo.

Não se trata, porém, de um caso isolado: toda a nossa cultura está desgraçadamente se encaminhando para a sexualização precoce das crianças: “músicas”, ouvidas por crianças, com letras e danças sexualizadas, exaltando partes íntimas das “novinhas”; YouTubers e influenciadores digitais, hoje campeões de audiência entre o público infanto-juvenil, com vídeos e livros obscenos circulando livremente; “exposições artísticas” que consistem em mostrar um homem adulto inteiramente nu a crianças, e incitando-as a tocá-lo; nas prateleiras dos shoppings, roupas supostamente “infantis”, que não muito tempo atrás não seriam usadas nem por mulheres “da vida”. Tudo isso acontece hoje no Brasil, e só não vê quem não quer.

É evidente que, por mais corrupto que estejam o ambiente e a cultura, nada justifica o estupro sofrido pela menina capixaba de 10 anos, assim como nada justifica a morte de outra criança, igualmente inocente, sentenciada à morte por aborto provocado. O caso deve ser minuciosamente investigado, e os culpados, rigorosamente punidos pelas autoridades, tudo na forma da lei. No entanto, seria indesculpável pretender fechar os olhos aos impactos da sexualização infantil que está havendo na sociedade, e o que isso provoca em termos de desorientação afetiva e desordens no âmbito da sexualidade humana. Se todo um povo se depara cotidianamente com meninas rebolando ao som de letras com conteúdo sensual, para não dizer, indecentes, e à noite assiste em seu sofá a um streaming com garotas de 11 anos “que dançam sensualmente”, será ainda surpreendente que aumentem os casos de abuso sexual?

Nosso Senhor advertiu seriamente sobre a punição aos que levassem os pequeninos ao mal: chamou uma criança a Si e disse: “Quem causar escândalo a um só destes pequenos que creem em mim, melhor seria que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem ao fundo do mar” (Mt 18,6). Todos nós – especialmente os pais e mães, mas também os educadores e parentes de crianças – temos uma enorme responsabilidade para com a formação de nossos jovens, que devemos levar muito a sério. Maxima debetur pueris reverentia, dizia o poeta romano Juvenal: “Deve-se às crianças a máxima reverência!”

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