A alegria de crer

A intelectual francesa Madeleine Delbrêl (1902–1964), entre suas muitas obras, deixou um livro de memórias sobre o itinerário da sua conversão à fé e da experiência da vida cristã: “A Alegria de Crer”. O título vai ao coração do tema: a fé em Deus é imensamente libertadora de nossos medos e angústias e traz paz e alegria na vida.

Na véspera de Pentecostes do Ano Santo de 1975, São Paulo VI publicou a exortação apostólica Gaudete in Domino (Alegrai-vos no Senhor), sobre a alegria cristã (9.05.1975). É um texto extraordinário, que vale a pena retomar e ler, na certeza de que fará bem aos que o fizerem.

A alegria é uma das características de quem crê em Deus. Os Salmos da Bíblia estão cheios de convites à alegria por causa dos benefícios recebidos de Deus cada dia, pela natureza, os frutos da terra e do trabalho, a bênção da família e dos filhos, a saúde e a consolação, mesmo durante os momentos de sofrimento. O motivo, no fundo, sempre é este: Deus se lembrou de mim, de nós, olhou para nós com amor, não nos abandonou à nossa solidão e angústia, encheu-nos de bens, livrou-nos de quem nos oprimia. O convite à alegria não aparece apenas nos Salmos, mas perpassa toda a revelação divina ao homem, recolhida nas Sagradas Escrituras. Está presente em abundantes passagens do Novo Testamento, como no cântico de Maria na visita à prima Isabel (cf. Lc 1,39-56).

O Evangelho registra momentos de alegria de Jesus ao ver a fé sincera do povo: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Ele convida os discípulos a se alegrarem, após a jornada missionária: “Alegrai-vos, antes, porque vossos nomes estão inscritos nos céus” (Lc 10,20). São Paulo, em muitas passagens de suas cartas, exorta à alegria. Aos Filipenses, depois de narrar sobre as perseguições e sofrimentos que ele próprio enfrentava por pregar o Evangelho, Paulo convida à alegria e à perseverança no caminho da fé: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos! A vossa amabilidade seja conhecida de todos. O Senhor está próximo” (Fl 4,4-5).

A alegria cristã não significa ausência de dificuldades e lutas, nem é desconhecimento das contradições da vida e do sofrimento pessoal e do próximo. Ela provém da fé sobrenatural, que é um grande dom recebido no Batismo, e da certeza e paz interior que nos vem da experiência do amor de Deus. São Paulo VI escreveu essa exortação sobre a alegria cristã enquanto ele próprio sofria imensamente com as dificuldades que a Igreja enfrentava naquele momento, com o risco de cisma por causa dos que negavam e rejeitavam o Concílio Vaticano II. Ele mesmo não escondia sua angústia nos últimos tempos de sua vida, por causa dos ataques pessoais que sofria. No entanto, convidou toda a Igreja à alegria, a não se fechar em si mesma, a superar os ataques recíprocos, que dividem, trazem insegurança, fazem perder a direção e desperdiçar preciosas energias, que deveriam ser dedicadas à missão diária do testemunho do Evangelho. Situações que se assemelham à que a Igreja vive também hoje…

São Paulo VI recordou que a alegria cristã é, acima de tudo, um dom do Espírito Santo, com o qual Deus nos presenteia ao acolhermos o dom da fé e nos darmos conta de quanto Deus é bom para conosco! É dom do Espírito Santo saber-nos perdoados por Deus, quando nos arrependemos sinceramente e pedimos perdão; É dom do Espírito quando, em meio às nossas lutas diárias, podemos pensar que não estamos sozinhos nem carregamos sozinhos o mundo às nossas costas; quando reconhecemos que a realidade nos supera em tanto e que somos tão pequeninos diante do universo imenso e maravilhoso; e que, mesmo assim, Deus olhou para nós com amor e não nos abandonou na solidão cósmica, mas nos atrai a um horizonte de eternidade em sua companhia.

A alegria cristã vem do fato de nos entregarmos com fé e confiança aos caminhos de Deus, de podermos dizer sinceramente, como o homem do Evangelho: “Creio, Senhor, mas vem em socorro da minha falta de fé” (Mc 9,24). A alegria da fé vem do fato de nos darmos conta de que o mundo não é um enigma inexplicável, a vida humana, com seus anseios, não é absurda, que temos um Deus providente a cuidar da pequena e humilde criatura, assim como cuida do grande universo.

São Paulo VI recorda que a alegria que brota da fé é parte essencial da evangelização e do testemunho cristão e um dom a ser compartilhado com o mundo inteiro. Em 2013, o Papa Francisco escreveu a exortação apostólica sobre “A Alegria do Evangelho”. O Evangelho é bom anúncio, boa notícia para o mundo. A alegria da fé é parte da missão da Igreja.

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