Os conceitos de pátria e, sobretudo, de patriotismo, trazem logo à mente várias interpretações e até reservas por causa do uso manipulado que certos movimentos culturais e ideologias políticas fizeram deles. No entanto, aqui desejo me referir a eles no sentido neutro e originário, conforme a definição do “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”.
Pátria vem da palavra latina pater, que significa “pai” e, por consequência, refere-se à terra dos pais, terra que nos viu nascer, lugar da origem, do nosso berço, ou que assim se considera por escolha. Em sentido mais amplo e cultural, pátria é o lugar ou país com o qual nos identificamos e do qual nos sentimos parte. A pertença a uma pátria chama em causa imediatamente as relações com um povo, do qual alguém é membro e com o qual se sente comprometido. Infelizmente, há milhões de pessoas que, por vários motivos, são apátridas, não tendo uma pátria. Geralmente, isso acontece por causa de guerras, perseguições e discriminações severas, que acabam excluindo pessoas da participação da vida do seu povo, obrigando-as a procurar, fora dele e de seu país, um novo povo de referência para sua vida. Para o cristão, a relação com a pátria também possui um significado? Evidentemente, ele também é um ser humano, que necessita e tem o direito a uma pátria. Ao mesmo tempo, o cristão sabe que a sua pátria neste mundo ainda é provisória e que, nesta vida, ele se encontra na condição de peregrino, a caminho da pátria definitiva. Também sabe, porém, que, durante esta vida, ele deve ser cidadão e envolver-se ativamente na promoção do bem comum do seu povo e de sua pátria e que ele próprio também possui o direito à cidadania plena. Nenhum cristão ou pessoa de qualquer religião deveria ser discriminado por causa de sua fé, nem ser considerado cidadão de segunda classe por ser pessoa de fé religiosa.
A pátria deveria ser para todos, e também para os cristãos, o lugar e a referência mais próxima para viver o amor ao próximo e as virtudes humanas da justiça, honestidade e solidariedade. É também o espaço para o exercício da liberdade, em que cada um está relacionado com os outros, como parte de um todo, desempenhando seu senso de responsabilidade social e oferecendo sua contribuição para a edificação do bem comum. A pátria é o lugar do exercício e da afirmação da própria dignidade e do respeito à dignidade dos demais.
Assim, podemos entender o motivo pelo qual a Doutrina Social da Igreja e a moral social católica conclamam todos os católicos, e também as demais pessoas de boa vontade, a unir seus esforços na edificação da convivência humana e social digna, respeitosa e solidária, na busca do bem comum. A participação de todos no bem da pátria equivale ao interesse que todos precisam ter na edificação e conservação da “casa comum”, ou da “cidade”, entendida como espaço de convívio e busca do que é bom para todos.
Isso independe de opção partidária ou ideológica, é questão de cidadania, como expressão do direito e do dever de todos. Nesse sentido, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) firmou o Pacto pela Vida e pelo Brasil, em abril passado, junto com outras cinco instituições de expressiva credibilidade pública, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Comissão Arns, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Mediante esse pacto, condensado em dez pontos, os signatários convocam todos os brasileiros, neste tempo de crise sanitária, política e econômica, a unir esforços em defesa da vida humana, pensando especialmente nos mais vulneráveis da sociedade. A pandemia mostrou, de maneira inequívoca, que muitos brasileiros continuam excluídos dos benefícios do bem comum, que a pátria deveria proporcionar a todos. A defesa da vida inclui o acesso aos bens da alimentação, saúde, habitação, segurança e educação.
Por outro lado, mediante o Pacto, os signatários também fazem um forte apelo ao diálogo social e político, em vista do respeito pela democracia. Vivemos uma situação política marcada por forte polarização, na qual parece que o bem está todo de um lado e o mal está todo de outro. A convivência na pátria-casa comum supõe diversidade e pluralismo, em que o diálogo franco e o respeito levem a somar, a partir das diferenças, não sendo necessário um antagonismo bipolar e excludente. Que a comemoração do Dia da Pátria nos ajude a avançar no diálogo, feito de abertura e tolerância, e a centrar as atenções naquelas questões que requerem a contribuição de todos na edificação da casa comum.