Como ovelhas sem pastor

Passando pela Praça da Sé e ruas adjacentes, vendo a quantidade de pessoas sentadas ou perambulando sem rumo, sem casa, sem ocupação, esperando pela caridade do próximo grupo a lhes trazer alguma comida, roupa ou cobertor, vem a lembrança das multidões que procuravam Jesus, cansadas e abatidas, “como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). E quantos outros estão doentes em casa, nos hospitais, ou aflitos porque a pandemia lhes tira a perspectiva de vida e esperança!

Essas multidões nos interpelam constantemente e nos procuram. Giram perto de nossas igrejas e obras sociais porque têm a esperança de encontrar ali algum socorro e conforto. Olham-nos como as multidões daquele tempo olhavam para Jesus, na certeza de que Ele tinha algo a lhes oferecer, para continuar a esperar. Jesus compadeceu-se das pessoas e sentiu angústia ao ver o tamanho da messe, sem haver operários suficientes para ceifá-la. E conclamou os discípulos e a quem estava perto a participar de sua preocupação e a colaborar no atendimento do povo: “Pedi ao Senhor da messe que envie operários à sua messe” (Mt 9,37-38). E foi logo escolhendo doze apóstolos para estar com Ele, preparando-os para serem operários na messe e pastores do rebanho de Deus.

Como vamos resolver os problemas decorrentes da pandemia? Digo “vamos”, pois não se deve esperar que alguém, salvador da pátria, ou alguns poucos heróis vão resolver os problemas sozinhos. Somos todos chamados a nos envolver: autoridades, cidadãos, instituições públicas e da sociedade civil, igrejas e organizações religiosas, famílias, grupos espontâneos. A superação desse mal será fruto de um esforço coletivo, em que não faltarão renúncias e sacrifícios pessoais e coletivos e será necessária a generosidade de todos. Não há espaço, nessa luta, para a busca de vantagens individuais, nem, muito menos, para o lucro desonesto e ignóbil sobre o sofrimento, a dor e a angústia do próximo. Não faz sentido algum desperdiçar energias preciosas com lutas ideológicas e partidárias neste momento, quando está em causa a saúde e a vida das pessoas.

Graças a Deus, já vemos muitas iniciativas louváveis de generosidade e altruísmo nos profissionais da saúde, operadores sociais, agentes econômicos, organizações da sociedade civil, Igrejas e grupos espontâneos. Isso, no entanto, ainda precisa crescer mais e se manter até que a pandemia seja vencida. E o grande objetivo não pode ser, em primeiro lugar, “salvar a economia”, mas socorrer os necessitados, que são uma grande parte da população. A colaboração pessoal de cada cidadão é importante, ainda que seja somente para cuidar bem da própria saúde e da saúde da sua família. Quanto mais pessoas se preservam do contágio, menos risco haverá de se espalhar a doença.

Jesus não decepcionou as multidões e não as despediu famintas e cansadas. Interessou-se por elas, chamou colaboradores, partilhou sua sensibilidade e sua compaixão pelas multidões com outras pessoas. Tudo isso pode acontecer também em nossas comunidades e gerar um envolvimento positivo de muitas pessoas, que estão dispostas a colaborar onde for preciso. Cada uma de nossas comunidades eclesiais, grande ou pequena, também deve ser um agente promotor desse “cuidado pastoral” do povo. Não é tempo de esmorecer, apesar das restrições ainda impostas para a retomada plena das iniciativas e atividades religiosas. Ninguém deve cruzar os braços, à espera de que “isso passe”.

O tempo da pandemia pode ser uma ocasião propícia para a inovação no agir pastoral, sem esquecer a outra atitude de Jesus, ao se compadecer das multidões: ia ensinando, proclamando o Evangelho do Reino de Deus e curando suas doenças (cf. Mt 9,35). O anúncio do Reino de Deus e da esperança que nasce do Evangelho é um tesouro impagável, que nos foi confiado para que o partilhemos com todos e, em primeiro lugar, com os pobres, doentes e pessoas oprimidas por todo tipo de aflições. Em nosso cuidado pastoral, nunca deve faltar o testemunho da esperança que vem do Evangelho de Cristo. Essa é nossa missão e nosso diferencial no cuidado dos pobres e pessoas que sofrem. Nossa ajuda aos pobres seria ainda pouca, se não lhes abríssemos também o caminho da fé e da esperança cristã.

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