A solenidade anual do Sagrado Coração de Jesus nos lembra de que nosso Deus é misericordioso, pronto a perdoar os pecadores e muito interessado na nossa salvação. Isso Jesus nos revelou no seu modo de ser e agir, sempre pronto para acolher a todos os que Dele se aproximavam com sincero coração, especialmente os oprimidos por doenças e toda sorte de males. O coração de Jesus, aberto pela lança no alto da cruz, é a imagem do coração aberto de Deus que, mesmo no sofrimento, se abre a todos os que acolhem sua misericórdia. Em Jesus, Deus se revela a nós humanamente e o coração de Jesus é “o coração humano de Deus”.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus possui um sólido fundamento teológico e, ao mesmo tempo, é popular e muito querida ao povo simples, que compreende a riqueza do simbolismo de “coração de Deus”: Deus é todo coração e todo ternura para nós. Alguém disse que “Deus tem um coração de manteiga”, que se derrete, se comove facilmente diante dos sofrimentos e rogos de seus filhos, que recorrem a Ele com toda simplicidade e confiança. Quem seria o homem sem o amor misericordioso de Deus?
Em contrapartida, Deus espera que nós tenhamos a mesma sensibilidade e atitude misericordiosa em relação ao próximo. Os profetas, e também Jesus, reprovam com firmeza a insensibilidade e a dureza de coração. O profeta Oseias, depois de censurar a religiosidade apenas formal e ritual, lembra que Deus espera do seu povo misericórdia, mais que sacrifícios nos altares do templo (cf. Os 6,6). Jesus, ao entrar na casa de Levi, o publicano, toma refeição com ele e com outros pecadores públicos. Alguns fariseus observam e reclamam com os discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” Jesus responde: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas, sim, os doentes. Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’. Não vim chamar os justos, mas os pecadores” (cf. Mt 9,10-13). Sem a misericórdia e a disponibilidade para acolher, perdoar e ajudar o próximo, os sacrifícios oferecidos no templo poderiam não agradar a Deus.
O Sagrado Coração de Jesus nos lembra sempre do amor infinito de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, que nos “amou até o fim” (Jo 13,1), até o extremo de entregar sua vida por nós, aceitando passar pela humilhação e o sofrimento da cruz. “Tanto Deus amou o mundo, que lhe entregou seu Filho único, para que não pereça todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna” (cf. Jo 3,16). A devoção ao Coração de Jesus vai ao centro do mistério cristão, que é “o amor de Deus derramado em nossos corações” (cf. Rm 5,3). De nossa parte, isso requer correspondência a esse amor tão grande: “Amor com amor se paga”, assim diz o ditado popular. Por outro lado, requer que também nós tenhamos um coração bom e amoroso para com o próximo, pois “quem não ama, não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4,7-8).
A prática das obras de misericórdia nos é recomendada como atitude consequente diante do amor que Deus tem por nós. Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis: “Quem diz que ama a Deus, a quem não vê, mas não ama o próximo, a quem vê, é um mentiroso”, diz São João (1Jo 4,20). E não basta amar só de palavras: é preciso amar com atos e em verdade (cf. 1Jo 3,18).
Por isso, além da prática pessoal e individual das obras de caridade e de misericórdia, devemos também organizar a caridade e aderir à caridade organizada, sempre que a oportunidade se apresenta para fazê-lo. A caridade organizada é um dos “propósitos” do sínodo arquidiocesano de São Paulo. Graças a Deus, há uma imensidade de organizações de caridade nas comunidades e instituições de nossa Arquidiocese e isso mostra o coração bom de tantas pessoas, que se deixam sensibilizar diante das dores e sofrimentos do próximo e estão sempre dispostas a compartilhar e ajudar. Mas ainda pode ser feito mais.
Nunca teremos feito o bastante enquanto houver pobres e excluídos entre nós, lembrando as palavras de Jesus: “Pobres sempre tereis entre vós” (cf. Jo 12,8). Essas palavras soam como um mandato e um encargo para os cristãos: a missão de cuidar dos pobres nunca se encerra, assim como é infinito e nunca se acaba o amor do coração de Deus por nós enquanto houver um pecador a ser resgatado, uma ovelha perdida a ser encontrada, uma moedinha perdida, um filho arrependido a ser acolhido… Foi o que o Coração de Jesus nos ensinou.