O que convém e o que não convém

O que é a vida cristã? Um conjunto de ritos e práticas religiosas? De leis e regras a serem seguidas? Ou como a nossa relação com uma instituição, que determina e regula nossos comportamentos? E em que consiste a moral cristã? Na observância de uma série de preceitos e proibições? A resposta não é tão simples. De fato, a vida e a moral cristãs têm um pouco de tudo isso, mas o essencial ainda não está dito nesses conceitos.

A vida cristã brota de uma experiência de fé, do encontro pessoal com Deus por meio de Jesus Cristo Salvador. De muitos modos, esse encontro pode acontecer, mas, quando é verdadeiro, ele é impactante e marca a vida. É o que disse o Papa Bento XVI na encíclica “Deus é Amor (Deus Caritas est)” e em mais outras ocasiões. Foi também o que se viu na vida dos discípulos de Jesus. São Paulo e muitos convertidos e santos nos dão exemplos luminosos desses encontros com Jesus, que determinaram um novo rumo nas suas vidas.

A vida cristã não consiste, em primeiro lugar, em abraçar um conjunto de doutrinas, ritos e preceitos, mas em acolher o amor infinito de Deus por nós. Deus tem a iniciativa de nos amar e chamar. Cabe-nos abrir os ouvidos e o coração e acolher esse chamado, que acontece por graça e misericórdia de Deus. É o que se expressa na Sagrada Escritura, com a afirmação: “Provai e vede como é bom o Senhor!” (cf. Sl 34,9). São Paulo resume a sua experiência originária de fé e conversão nesta frase: “Ele me amou e por mim se entregou na cruz” (cf. Gl 2,20). A vida cristã é resposta a um chamado de amor que Deus nos faz e a busca constante de correspondência a esse amor.

Por isso, logo no início da Carta aos Efésios, o autor convida os cristãos daquela comunidade a se alegrarem pelo fato de serem cristãos, por terem sido chamados por Deus até mesmo muito antes de terem conhecido a Deus por meio de Jesus Cristo. “Bendito seja Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo!” Bendito, por ter enviado seu Filho ao mundo, pelo Evangelho da salvação, pela redenção e misericórdia alcançadas, pela luz da verdade, por nos acolher como filhos e filhas seus, mediante a fé e o Batismo, pela participação na Igreja, família de Deus, pela esperança dos bens eternos, por tudo o que concedeu aos seus filhos! (cf. Ef 1,3-14). Ser cristãos é uma graça imensa, que precisamos aprender a valorizar e aprofundar durante toda a vida. Bendito seja Deus!

E em que consiste a vida moral? Consiste, acima de tudo, na vida coerente com a dignidade que nos foi dada mediante a graça de Deus e com tão grandes dons recebidos. Somos filhos e filhas de Deus e santuários do Espírito Santo: “Vós sois o templo de Deus e o Espírito Santo habita em vós” (cf. 1Cor 3,16; 6,19). É isso que São Paulo quer dizer quando chama os cristãos a viverem “de maneira digna da vocação que receberam” (cf. Ef 4,1). O fato de sermos templos em que Deus habita e filhos de Deus nos deve levar, por consequência, a viver de maneira digna de Deus, abandonando o pecado e tudo o que ofende a Deus, assim como toda forma de viver que seja incoerente com a nossa dignidade. Mais uma vez, as palavras da Carta aos Efésios são claras e preciosas nesse sentido: “Se sois filhos da luz, vivei como filhos da luz” (cf. Ef 5,8). Isso requer superar o que é “das trevas”, os vícios e quaisquer comportamentos desonestos e desrespeitosos em relação a si, a Deus e ao próximo. Essa é a vida moral segundo o Evangelho de Cristo. E destaca ainda o Apóstolo: “Acima de tudo, revesti-vos de amor, pois esse é o vínculo da perfeição” (Cl 3,14).

Quando compreendemos esses fundamentos da vida cristã e da vida moral, fica fácil aceitar e viver os mandamentos e as normas morais, pois serão atitudes coerentes com a nossa condição de filhos e filhas de Deus. E também fica mais fácil compreender as doutrinas, ritos e instituições religiosas, como expressões coerentes daquilo que vivemos pela fé. A Oração Inicial da Missa do 15º Domingo do Tempo Comum, que celebramos no dia 11 de julho, refere-se a isso que estamos refletindo: “Ó Deus, (…) dai a todos os que professam a fé rejeitar o que não convém ao cristão e abraçar tudo o que é digno desse nome”. Essa é uma maneira sintética e lapidar de explicar toda a vida moral dos cristãos.

Oxalá não nos falte a ocasião de crescermos na fé e de aprendermos a amar aquilo que somos, como cristãos, “eleitos de Deus, santos e amados” (Cl 3,12), de maneira que a vida cristã e moral não nos pareça uma imposição pesada, mas expressão de nossa alegria e gratidão e da correspondência com os dons recebidos. Bendito seja Deus!

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