Se Dom Paulo vivesse hoje?

O centenário de nascimento do Cardeal Paulo Evaristo Arns, 5º Arcebispo metropolitano de São Paulo, nos oferece a ocasião para uma reflexão sobre muitos aspectos de sua personalidade e ação. Ele viveu e atuou em circunstâncias próprias de uma época. Teve traços de uma personalidade que era somente sua. No entanto, muito do que ele disse e fez continua significativo para os nossos tempos. Como seu segundo sucessor na Sé de São Paulo, faço esta pergunta: o que diria e o que faria Dom Paulo, se estivesse hoje diante da Arquidiocese de São Paulo?

Certamente, como homem de Igreja, ele estaria em comunhão com o Papa Francisco e acolheria sem reservas o seu apelo para sermos, sempre mais, uma “Igreja em saída missionária”. E veria com grande esperança a renovação da vida da Igreja proposta pelo Papa Francisco, a partir das diretrizes do Concílio Vaticano II; e ficaria triste com rachaduras e polarizações na vida interna da Igreja. Estaria acolhendo com entusiasmo o chamado do Papa a percorrermos um caminho de “renovação sinodal” na Igreja, na qual cada membro se alegra por participar da comunidade dos discípulos missionários de Jesus Cristo e realiza a sua parte na vida e missão da Igreja. Ele não aceitaria jamais que a Igreja fosse reduzida a uma figura social caracterizada pelas bipolaridades esquizofrênicas do “nós-contra-eles”, nem do “nós-para-eles”, em que alguns se julgam os benfeitores e os demais são vistos como os assistidos. A Igreja é sempre um “nós-com -Ele”, com Jesus Cristo, reunida na caridade, no dom do Espírito Santo. Dom Paulo estaria em comunhão com os demais bispos do Brasil, na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ajudando a discernir sobre as atuais questões religiosas, políticas e sociais do nosso País, à luz do Evangelho e do ensino social da Igreja.

Com certeza, ele continuaria preocupado com as imensas periferias pobres da cidade, não apenas geográficas, mas especialmente humanas, sociais, econômicas e culturais. Tenho a certeza de que Dom Paulo estaria apelando à metrópole para que assumisse como questão de honra e desafio político da inteira comunidade urbana a situação aviltante dos pobres, moradores de rua, dos cortiços e da “cracolândia”. Estaria dizendo que o sofrimento da imensa população que vive no descarte, em condições precárias nesta rica cidade de São Paulo, é de todos e não deve deixar ninguém indiferente. Ele apoiaria, sem dúvida, a vacinação contra a COVID-19, o uso de máscaras e demais medidas preventivas para a preservação da vida e saúde pessoal, e como gesto consciente e solidário de cuidado e de atenção ao próximo.

Dom Paulo estaria clamando por justiça e paz entre os povos, apelando aos governantes para que não pensem apenas nos interesses dos próprios povos, mas sejam justos e solidários com as nações mais necessitadas de ajuda e promovam o bem de todos os povos. Tenho a certeza de que ele também assinaria sem reservas as encíclicas Laudato si’ e Fratelli tutti, do Papa Francisco, em benefício da “casa comum”, da preservação do ambiente da vida na Amazônia e da fraternidade de toda a grande família humana. Dom Paulo estaria, certamente, conclamando as lideranças sociais a unirem esforços para cultivar e aprofundar os valores da convivência democrática e da paz, sem desrespeito aos direitos humanos mais sagrados e, ao mesmo tempo, sem a exacerbação dos direitos subjetivos individuais dos mais fortes em prejuízo dos mais fracos.

Ah, se Dom Paulo estivesse vivo… Mas precisa ele estar vivo para que nos sintamos comprometidos com essas mesmas causas? A tarefa de construir um mundo mais justo, fraterno e solidário, respeitoso da dignidade de cada pessoa, continua. E não abandonamos a utopia de ver um Brasil bom para todos, unido em torno dos mesmos grandes ideais, justo e atento às necessidades dos brasileiros, aberto a receber as legítimas contribuições de todos os cidadãos. Segue o desafio permanente do diálogo com todos, em que seja superada a pretensão da visão única e exclusiva sobre a realidade. Dom Paulo, no seu centenário, nos recorda que essas causas não são dele, mas de todos nós. Nesta época e diante das atuais circunstâncias, somos nós os protagonistas da construção de um tempo novo, “de esperança em esperança”.

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