Um só coração e uma só alma

No tempo pascal, ao mesmo tempo que anunciamos a Ressurreição de Jesus, também somos ajudados pela Liturgia e a catequese da Igreja a aprofundarmos nossa fé e a vivência cristã em conformidade com as promessas batismais, que renovamos na Páscoa. Nossa participação na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus se dá pela graça do Batismo que, de nossa parte, precisa ser correspondida na vida diária.

Na Oração da Coleta do 2º Domingo da Páscoa, há uma síntese maravilhosa dessa vivência cristã, marcada pela Páscoa: que Deus nos dê sua graça constante “para que todos compreendam melhor o Batismo que os lavou, o Espírito que os regenerou e o sangue que os redimiu”. Essas graças pascais recebidas no início de nossa vida cristã deveriam levar-nos a sermos cristãos generosos e agradecidos a Deus todos os dias. Nunca compreenderemos bastante a maravilha realizada pelo Espírito Santo em nós pelo Batismo que recebemos. E nunca compreenderemos e falaremos o bastante sobre a graça da redenção que nos foi dada pela graça do Batismo. Para isso, pedimos a constante ajuda de Deus pois, do contrário, corremos o risco de ignorar, menosprezar e até de rejeitar esses dons da redenção.

No segundo Domingo do tempo pascal, lemos o trecho dos Atos dos Apóstolos que descreve a primeira comunidade cristã, em Jerusalém, logo após o início da pregação do Evangelho pelos Apóstolos (cf. At 4,32-35). Esse trecho pode ser complementado com a outra descrição comunidade cristã, que aparece nos Atos dos Apóstolos, um pouco antes (cf. At 2,42-47). A primeira comunidade cristã compreendeu a graça do Batismo e tornou-se um ícone referencial para a Igreja de todos os tempos, que sempre se reencontra de novo nela e tenta converter-se e modelar-se por ela. Se não consegue ser como ela foi, é certo que o contrário dela não é por nada um ideal para a Igreja de Cristo. A Igreja que Jesus quis na terra, certamente, é muito parecida com aquela primeira comunidade cristã de Jerusalém.

“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma”. Ela fazia a oração em comum, tinha atenção às necessidades dos demais e dos pobres, mediante a partilha dos bens, a orientação comum pelo ensinamento dos apóstolos, a alegria pela participação no mesmo dom e o testemunho vigoroso da Ressurreição de Jesus. Esses elementos são essenciais à vida da Igreja, que permanecem até hoje e, certamente, nunca serão modificados, nem no presente nem no futuro. Eles constituem laços indissolúveis de comunhão entre os batizados e membros da Igreja, pelos quais deveremos sempre orientar nossa vida. Vivendo isso, os cristãos tornam-se “um só coração e uma só alma” em qualquer tempo e lugar.

Em outras palavras, falamos da “oração em comum”, que se dá, sobretudo, na celebração da Eucaristia dominical, da qual ninguém deveria se ausentar, a não ser por causa bem justificável. E, é claro, isso também acontece em todas as celebrações eucarísticas e litúrgicas, de maneira geral. Mas a Eucaristia dominical é o grande momento da “oração em comum” da Igreja de Cristo. A atenção às necessidades dos outros, de perto ou de longe, mediante o exercício da caridade pessoal e comunitária, é sinal distintivo do cristão e da Igreja de Cristo. Na comunidade cristã em que não há atenção à caridade, praticada de muitas formas, falta um elemento essencial. Hoje não é viável, nem é preciso fazer como os primeiros cristãos, que vendiam seus bens e “tinham tudo em comum”. Mas a “partilha dos bens” para suprir às necessidades da comunidade e dos pobres continua a ser uma necessidade.

Assim, a alegria cristã deveria ser um distintivo do cristão, que compreendeu bem a graça que recebeu no Batismo e a esperança que traz no coração. A alegria cristã é fruto da Ressurreição de Jesus e da graça da redenção. E o testemunho cristão sobre Jesus ressuscitado e, mais amplamente, do Evangelho, é um compromisso constante da Igreja e de cada filho seu. Fomos agraciados com os dons imensos da fé, esperança e caridade, que não podemos guardar apenas para nós. Eles são “boa nova da salvação” para os outros também e para o mundo inteiro.

Não será isso o que o Papa Francisco está pedindo à Igreja hoje? Ser uma “Igreja sinodal” significa aprofundar os laços e a vivência da comunhão eclesial, em vez de ser uma Igreja dividida e dispersa; significa participar com maior consciência das graças inestimáveis recebidas no Batismo e tornar-se membro vivo e vibrante da Igreja. Significa, enfim, assumir como própria a missão da Igreja, testemunhando o Evangelho de Jesus, que é salvação, vida e esperança para o mundo.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários