Entendendo a Dei Verbum

Entre as muitas riquezas que o Espírito Santo confiou à Igreja por meio do 21º Concílio Ecumênico, mais conhecido como Vaticano II, existem quatro documentos que se destacam por terem recebido o status de “constituições”, e que gostaríamos de explorar com mais detalhe neste espaço, ao longo das próximas semanas.

No editorial de hoje, então, queremos aprofundar um pouco mais o estudo da Dei Verbum (“Palavra de Deus”), a constituição dogmática sobre a Revelação. Como o próprio nome já indica, o documento resume a doutrina genuína da Revelação divina, ou seja, o processo pelo qual Deus “retira o véu”, e se comunica com a humanidade (nº 1).

Esta nossa doutrina da Revelação já distingue o Cristianismo de várias outras grandes religiões mundiais. A nossa doutrina não vem de um indivíduo iluminado, que a teria descoberto por si mesmo, num processo de meditação filosófica. Não! Cremos que as verdades do Cristianismo nos forem entregues de forma sobrenatural pelo próprio Deus, mediante instrumentos humanos.

Logo no começo, a Dei Verbum deixa bem claro que esta comunicação aconteceu por iniciativa divina, como resultado de uma escolha livre, que aprouve a Deus (placuit Deo) no transbordamento de seu amor pela humanidade. E em que consiste esta revelação? Qual seu conteúdo essencial? Basicamente, que nós homens fomos criados numa superabundância de amor, para que aceitemos o convite a participar da bem-aventurança infinita do próprio Deus. Os percalços da vida podem às vezes nos deixar desorientados, mas não nos confundamos: esta nossa existência tem um sentido último, que é entrarmos na comunhão íntima da vida divina, tornando-nos amigos de Deus, e filhos seus (nº 2).

Outro ponto importante da Dei Verbum é a diferença entre a revelação mais genérica que Deus faz por maio do livro da natureza, pela qual ele deixa um testemunho perene de sua existência na ordem e beleza das coisas criadas, e a Revelação mais específica que ele foi fazendo gradualmente ao longo da história, começando com os patriarcas e o povo de Israel, até culminar finalmente com o envio de seu próprio Filho, Jesus Cristo. Depois que Cristo revelou sua mensagem aos Apóstolos, portanto, não há “novas Revelações”, e quem propuser um “Evangelho diferente” do que foi anunciado deve ser desprezado, mesmo que seja um anjo de luz descido do céu (cf. Gal 1, 8).

Acontece que os Apóstolos que receberam de Jesus a plenitude da Revelação já morreram há quase dois mil anos – e, pela própria natureza das coisas, seria de se esperar que a transmissão desta mensagem, ao longo das gerações, fosse lentamente distorcendo seu conteúdo, como naquela brincadeira do “telefone sem fio” que todos jogamos quando crianças. Ora, mas se fosse assim, de nada adiantaria que Deus passasse milênios preparando a humanidade para receber as verdades da salvação, para depois permitir que essa doutrina fosse corrompida pelo tempo: e, por isso, Deus “dispôs amorosamente que permanecesse íntegro e fosse transmitido a todas as gerações” o Evangelho entregue aos Apóstolos “como fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes”. Esta preservação integral da verdade divina, que é o selo de autenticidade de nossa amada Igreja Católica, se chama Sagrada Tradição ou Depósito da Fé (nº 7).

Conforme ensina a Dei Verbum, portanto, a Igreja Católica é o porto seguro em que são preservados intactos, até o fim dos tempos, aqueles ensinamentos necessários à salvação, que Deus começara a revelar ao longo do Antigo Testamento e que Jesus Cristo levou à plenitude e confiou a seus Apóstolos. Peçamos então a graça de permanecermos nós, também, sempre firmes nesta barca de Pedro, em meio às turbulências da vida, e guardarmos a Revelação confiada de uma vez para sempre aos santos (Jd 1, 3).

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