O tema central da liturgia do 4o Domingo da Quaresma é a reconciliação. O povo de Israel entra na terra prometida e, exultante, celebra a primeira Páscoa. Deus perdoou a infidelidade. “Passou o que era velho, tudo se fez novo”, diz a segunda leitura. O “novo” é a Páscoa cristã: não mais são oferecidos produtos da terra, nem sangue de cordeiro em resgate, como no Antigo Testamento, mas Deus oferece Seu Filho: quem está em Jesus Cristo é nova criatura! Reconciliação é tema também do Evangelho. Chama a atenção o silêncio do pai, que não põe obstáculo, não dá orientação alguma ao filho para que não se perca no caminho. Essa é a pedagogia do Pai, que nos garante o livre-arbítrio, uma vez que somos filhos em idade adulta.
Um filho se distancia de um lar em que tudo parecia tranquilo. No vício, perdeu dinheiro e a liberdade. Reduziu-se a escravo das paixões, um guarda de animais imundos. Quando em completo abandono, lhe vem a imagem da segurança de casa, uma lembrança da ternura do pai. A volta é provocada pela consciência de uma saudade; pelo eco da voz do pai, que espera sem cansar o filho que o abandonou. Em se tratando do Pai, que é o Deus de Jesus Cristo, sabemos que Ele nos chama por meio do pajeú das decepções, da faca afiada da desilusão, do martelar perturbador de um remorso interminável. Obs.: Utilizei a palavra “pajeú”. E ela existe! A descrevo: é um instrumento de cutelaria, uma faca de ponta grande, com o cabo de chifre em forma de anéis. Quando vê o filho mais novo no caminho do arrependimento, o pai corre ao encontro, apressa-se na reconciliação, oferece o beijo do perdão. E faz festa! O repentino acontecimento surpreende o filho mais velho a cumprir, como sempre, seus deveres. Ele fica desnorteado com a manifestação de amor de seu pai pelo irmão. Entendamos: o legalismo não permite a compaixão. Da festa, todos devem participar. Também os incapazes de se alegrar com o resgate de alguém. Necessitamos de perdão pois, todos nós, de forma e em medida diferentes, somos pecadores. Felizes os que, humildemente, o reconhecem; os que sentem a necessidade de se reconciliar com Deus, de se converter ao Seu amor.
O pai festeja o filho reencontrado. Ama também o que ficou em casa, ao seu lado, mas que deixou o coração endurecer. Vai ao encontro, pedindo que também ele participe da alegria do reencontro. Não deixa espaço à rejeição. Esse filho, que nada fez de errado, compreenderá o valor da misericórdia. Sobre o tema, São João XXIII rezou assim: “Ó Senhor, sou a ovelha extraviada e Vós, o Bom Pastor solícito, que correstes ansiosamente ao meu encalço. Me alcançastes, enfim e, após mil carícias, me trouxestes nos ombros. Alegre, me reconduzistes ao aprisco. Infelizmente, sou o filho pródigo que dissipou Vossas riquezas. Me reduzi à mais infeliz condição, porque fugi para longe de Vós. Sois o Pai amorosíssimo: festejastes quando procurei de novo o refúgio de Vossos braços. Me recuperastes como filho e me readmitistes à Vossa mesa! De novo, me chamastes a participar de Vossa herança! Sois o manso Cordeiro: me chamastes Vosso amigo, me olhastes com amor, apesar do meu pecado. Me abençoastes quando eu Vos maldizia! Da Cruz, fizestes descer a onda de sangue divino para lavar a minha imundície. Purificastes minha alma da iniquidade, me arrancastes da morte, morrendo por mim!”.
O que torna nossa vida verdadeira não são apenas as obras que fazemos, mas o espírito que sustenta cada passo, que motiva nossas opções. É preciso amar para dar sentido e valor à vida. Pergunto-me agora, diante de Deus, se tenho atitudes do filho mais novo, do filho mais velho, do Pai… Ou dos três?