A vida, ao contrário do que tendemos a imaginar, não é passível de controle. Como pessoas, temos a necessidade de ordenar. O caos nos desestrutura, impede uma vida saudável e, portanto, buscamos a ordem em suas diferentes dimensões: material, temporal, hierárquica. Levamos nossa vida adiante quando estamos assentados em alguma possibilidade de ordenamento.
No entanto, é extremamente importante o equilíbrio. Vivemos tempos em que a polarização se faz extremamente presente nas relações, inclusive nas familiares.
O que se observa com frequência é uma busca de ordem que tende à rigidez. Facilmente as pessoas caem na ilusão de controle e acreditam que, se a ordem que estabelecem for vivida rigidamente, tudo acontecerá dentro do previsto. Só que não! Faz parte da vida o imprevisto, o inusitado, o surpreendente. Com quanto mais sabedoria e flexibilidade enfrentarmos essas situações, melhores resultados colheremos.
Estudos mostram que famílias que se apresentam mais flexíveis no enfrentamento de situações cotidianas adversas formam vínculos mais saudáveis, demonstram maior capacidade de criar saídas, de permanecer em harmonia, apesar das circunstâncias.
O segredo, no entanto, não está em opor a ordem à flexibilidade. Ao contrário, somente se flexibiliza aquilo que existe; portanto, é de vital importância para uma estrutura familiar saudável que haja limites claros e bem estabelecidos, um ambiente ordenado nas diferentes dimensões, papéis bem estabelecidos (pais que sejam orientadores, filhos que se percebam orientados) e, estabelecidos esses princípios de modo muito claro no relacionamento cotidiano, que haja espaço para o imprevisto, para o inusitado sem que o ambiente se desestruture ou as pessoas sejam tomadas pelo “pânico”.
O amor dilata, amplia o coração, engrandece os vínculos, cria espaços e possibilidades. No entanto, estamos esquecidos dele, não sabemos mais definir o amor. Em famílias marcadas pelo amor-próprio, pelo o ensimesmamento, não há capacidade de dilatação. A busca desenfreada de conforto reduz os horizontes e torna em grandes vícios, possibilidades enrijecidas de viver, até mesmo aqueles que seriam bons hábitos.
A virtude está exatamente no movimento de buscar o bem comum. Há nela uma retidão de intenção. Na medida em que cresço em virtudes morais, cresço na capacidade de servir, de amar e de enfrentar, com sabedoria e otimismo, os percalços que se apresentam e, convenhamos, não são poucos.
Observo em muitas famílias, especialmente as mais jovens, uma rigidez de critérios, uma incoerência de saída, afinal, todo bom hábito, toda ação que visa a ser virtuosa, não é compatível com a rigidez; afinal, a rigidez em si é falta de virtude. Segundo Aristóteles, “a virtude irá depender de um julgamento, por força da reta razão para repudiar os extremos e alcançar o meio termo” (“As virtudes em Aristóteles”, Silveira, Denis). Essa falta de equilíbrio certamente se deve à formação decadente que vem tomando conta da humanidade desde meados do século passado. Na medida em que fomos colocando no centro de nossas ações e condutas o sentimento, valorizando excessivamente essas percepções sensíveis e não educando de modo estruturado e determinado o intelecto de nossos jovens, fomos formando pessoas sentimentalistas e, portanto, pouco preparadas para uma vida lúcida e verdadeiramente humana. Imaturos, muitos pais não identificam o bem comum e pautam suas ações em critérios externos a eles e os enrijecem. Afinal, como se apropriar de critérios “emprestados” que ficam incorporados como receitas, um verdadeiro “modo de fazer” e criar sobre eles?
Somente pessoas bem formadas, que integram seus sentimentos à inteligência e com isso determinam sua vontade, terão critérios claros, agirão de modo sensato e perceberão, nas mais diferentes orientações e opiniões alheias, aquilo que lhes ajuda e o que não. Aquilo que contribui com seus objetivos ou não e, assim, poderão ser senhoras de si mesmas e agir com sabedoria e flexibilidade diante da família e da vida. Não se tornarão rígidas nem escravas, mas, sim, ponderadas e flexíveis.
A vida, esse presente imerecido que nos transforma cotidianamente, pode nos tornar pessoas melhores a cada novo dia, se estivermos abertos a isso. Pode, também, ser um fardo pesado, se não a vivermos com a dignidade e a potência que como pessoas temos. Não nos apequenemos diante da vida.