Francisco e a reforma da Igreja, que sempre começa em nós

Quem acompanhou o noticiário sobre os 10 anos de pontificado de Francisco na imprensa laica, pôde observar a preocupação recorrente em avaliar o quanto ele fez em termos de reformas na Igreja Católica. Talvez inconscientemente, talvez maldosamente, passa-se a impressão de uma instituição falida, que só será eficiente se passar por profundas reformas. A Igreja Católica, como qualquer outra instituição humana, está cheia de falhas e problemas, mas qualquer fiel católico sabe que ela é muito mais que seus problemas, tanto para ele quanto para sua família.

As reformas são sempre muito importantes. Quando bem conduzidas, trazem grandes ganhos para toda a comunidade beneficiada. Contudo, um papado não pode ser avaliado em termos de quantas reformas realizou ou deixou de realizar. Pensar a Igreja a partir de uma “contabilidade institucional” seria sobrepor as normas e as estruturas humanas à própria ação da graça de Deus. No fundo, seria uma grande traição ao próprio Francisco, que desde o início denunciou os perigos de uma Igreja sem Cristo, reduzida a uma espécie de ONG planetária…

Francisco sempre deixou claro que deseja uma Igreja “em saída” (Evangelii gaudium, EG 20-24), “pobre para os pobres” (EG 197-201). Essa Igreja, porém, antes de ser uma instituição devidamente normatizada, é um povo, uma comunidade de fé, somos cada um de nós. O maior êxito de Francisco não consiste em mudar normas institucionais ou modalidades de fazer pastoral, mas de nos incentivar a nos pormos “em saída”, a nos fazermos “pobres para os pobres”. É sempre em nosso coração que se revela, em primeiro lugar, o êxito do encontro com Cristo.

Nem sempre nos apercebemos disso, mas todos os papas nos são dados por Deus para ajudar a nossa conversão. Sendo seres humanos, como nós mesmos, têm temperamentos, histórias e visões de mundo diversas. Alguns nos atraem mais, outros menos… Mas de todos Deus se serve para se aproximar de nós. Cabe à nossa liberdade, sempre tão precária, aderir mais ou menos ao Seu gesto de aproximar-se de nós.

Como na parábola do semeador, cada papa pode ser visto como uma semente que cai no solo de nosso coração. Algumas vezes, somos por demais soberbos, nos consideramos bons demais para nos sentirmos interpelados pelo papa. Pensamos “a Igreja que se converta primeiro, pois eu já estou no caminho indicado por ele”; ou “esse papa não é suficientemente bom e sábio para me dizer o que fazer, voltarei a seguir o papado quando aparecer outro melhor”. Outras vezes, calçamos as sandálias da humildade, nos perguntamos “em que o papa me chama à conversão?” e, de um modo ou de outro, desfrutamos da graça que Deus nos reservou por meio daquele homem. Muitas vezes ainda, talvez na maioria delas, engrossamos aquela multidão que passa distraída por suas palavras e seu testemunho, gostando ou desgostando, mas acreditando que são coisas que dizem respeito aos outros, não a nós.

Seja qual for o caso, ainda há tem po – sempre há tempo – para nos convertermos (ou nos convertermos ainda mais) àquilo que Deus queria nos dizer nos dando Jorge Mário Bergoglio como papa. Como Francisco disse aos jovens, citando Madre Teresa de Calcutá, a mudança de que a Igreja precisa é aquela que começa em nós (Vigília de Oração em Copacabana, XXVIII Jornada Mundial da Juventude). O Pai pode suscitar das pedras filhos de Abraão (Mt 3,9), mas escolheu precisar de nós, seres dotados de liberdade, para mudar nosso coração.

Debates ideológicos, análises controversas e posições duvidosas – fora e dentro da Igreja – sempre houve e sempre haverá. Não devem ser ignorados, mas enfrentados com um sincero desejo de bem e de verdade. Que estes 10 anos do papado de Francisco não sejam, para nós, ocasião de escândalos e divisões, mas tragam a verdadeira alegria de percebermos o quanto a misericórdia de Deus nos acompanha e nos procura, para seguirmos cada vez mais o exemplo de Cristo no amor e no serviço aos irmãos.

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