“Isto não é um dogma de fé. Isto que direi é uma coisa pessoal: gosto de pensar que o inferno está vazio”, declarou o Papa Francisco durante uma entrevista ao programa de televisão italiana Che Tempo Che Fa, conduzido por Fabio Fazio, em 14 de janeiro de 2024.
O entrevistador Fabio Fazio – com certa ternura – havia apresentado ao Papa Francisco uma questão que na sua opinião poderia parecer até infantil: “Papa, em sua oração, como imagina a face de Deus?”. A resposta do Santo Padre foi a seguinte:
“Utilizo imagens do Evangelho, gosto de imaginá-lo como um Pai generoso que recebe o filho que foi embora, gastou uma fortuna e volta ferido. Ele o recebe. O Evangelho conta que o filho havia preparado um discurso: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti’, mas o Pai quase não o deixou falar e lhe deu um abraço. Gosto de pensar no Senhor com este abraço, quando vou dizer: ‘Mas, falhei nisso…’ Gosto de pensar Nele, com a mão que me faz assim [indicando o abraço], e Ele me diz:
‘Mas vá em frente, vá em frente, continue avançando.’
O Senhor que nos impulsiona a seguir em frente, que não se escandaliza com os nossos pecados, porque é Pai e nos acompanha. Ele toma como certo que somos pecadores. O problema é Dele: se deve acompanhar os pecadores ou mandá-los imediatamente para o inferno. Ele escolhe nos acompanhar. Por isso, enviou o seu Filho, para nos acompanhar, o Senhor enviou o seu Filho ao mundo não para condená-lo, mas para salvá-lo. Isto é o que diz a liturgia”.
O entrevistador, então, como uma conclusão, diz: “Em certo sentido, em consequência destas palavras, é difícil imaginar agora o inferno. Um Pai que condena ao inferno eterno … é difícil de imaginar”. Responde o Papa Francisco: “Sim, é difícil imaginar. O que direi não é um dogma de fé, mas algo pessoal: gosto de pensar no inferno como vazio, espero que seja realidade!”
Eis uma oração bela e exigente: “Gosto de imaginar que o inferno está vazio”! Não é dogma de Fé, como deixou claro Francisco. O Papa é consciente, obviamente, do que trata o Catecismo da Igreja Católica no ponto 1.035: “O ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do inferno. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente após a morte aos infernos, onde sofrem as penas do inferno, ‘o fogo eterno’”. Trata-se, portanto, de um de pensamento forte, que nos move a querer a conversão das almas, esse é o desejo do Santo Padre.
Será que temos a coragem de imaginar o inferno vazio?
Quando assistimos ao telejornal e vemos um político ou uma figura pública que não nos agrada por determinados comportamentos ou histórico, será que temos esse pensamento de que não estarão no inferno por seus atos? Ou diante da notícia de um assassinato sem piedade de um pai de família ou de crianças, imaginamos que o assassino não estará no inferno? Ou ainda, aqueles que nos feriram, seja na vida pessoal, seja na profissional, também conseguimos imaginar que não estarão no inferno? Assim, podemos nos perguntar: qual é a nossa “contribuição” para esvaziar o inferno?
São Tomás Moro, no cárcere da Torre de Londres, em 1534, escrevia sobre os seus inimigos à sua filha: “Deixa-me recordar-te de que, se esse homem mau se salvar, não deixará de me amar de todo o coração. Portanto, por que odiar por algum tempo alguém que depois me amará para sempre? […] Nós, que não somos melhores do que os homens medíocres, rezemos sempre para que os outros alcancem o arrependimento misericordioso de que nós mesmos pre- cisamos, como nossa própria consciência nos diz”.
“Teu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi encontrado”. Assim, termina a parábola da volta do filho pródigo citada pelo Papa. Viver. Ser encontrado. Na parábola de nossa vida cotidiana, quem somos?
Rezemos para não perder a capacidade de desejar que o inferno esteja vazio. Ou, ao menos, possamos rezar para que o diabo, o único que temos certeza de que está no inferno, continue lá sozinho! De cem almas, interessam-nos as cem.