6º Domingo do Tempo Comum
No Antigo Testamento, diante da suspeita de lepra, os israelitas deviam ir até um sacerdote que lhes examinasse a pele (cf. Lv 13). Havendo dúvida sobre o diagnóstico, era-lhes imposta uma quarentena. Se o exame visual constatasse “lepra”, o enfermo, declarado “impuro”, era “isolado” da comunidade. Caso viesse a ser “purificado” – devido à precariedade da Medicina, outras doenças eram possivelmente confundidas com a lepra –, deveria comparecer de novo à presença do sacerdote para confirmar a cura antes de retornar à vida social (cf. Lv 14).
A lepra é uma doença temível e mortal! Decompõe os indivíduos ainda vivos, fazendo-os exalar odores insuportáveis. Reduz seus portadores a um aspecto irreconhecível. Na Antiguidade era, além de tudo, incurável e não raro considerada uma punição divina (cf. Nm 12,9; 2Rs 15,5). Desse modo, sua purificação possuía também um sentido religioso de reconciliação. Mas, principalmente, sendo uma doença contagiosa, trazia consigo repercussões para toda a comunidade. A lepra impunha um conflito entre dois bens: de um lado, a obrigação de compaixão pelo enfermo; de outro, o dever de proteção da comunidade.
O instinto de sobrevivência é o mais forte e agressivo no homem, e frequentemente tende a prevalecer sobre a compaixão. Assim, os leprosos eram evitados com veemência. “Com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta”, os acometidos desse mal deveriam gritar: “Impuro! Impuro!” (Lv 13,45), ao se aproximarem de outras pessoas. Foi nesse contexto que “um leproso chegou perto de Jesus e, de joelhos, pediu: ‘Se queres, tens o poder de curar-me’” (Mc 1,41). Duas coisas impressionam no gesto: a fé desse homem, que atribui a Jesus um poder divino; e a sua confiança absoluta, que o leva a se aproximar, ajoelhar-se, e implorar ajuda a Nosso Senhor.
Então, “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele” (Mc 1,41). Esse gesto seria repetido por tantos discípulos do Senhor para os quais a caridade foi mais forte que a autopreservação! Uma das ocasiões mais famosas foi aquela em que, mil anos depois, São Francisco venceu a repulsa para, enfim, abraçar e beijar um leproso. Foi um dos gestos de “conversão” da sua vida, que depois se tornaria um hábito. Séculos depois, o sacerdote Damião de Molokai se ofereceria para viver em uma ilha de leprosos. Optou por se expor ao contágio e morrer lá, isolado do “mundo são”, para que os leprosos não fossem privados dos sacramentos e pudessem, assim, obter a salvação eterna. Morreu de lepra e é conhecido como São Damião, o leproso.
Neste tempo de COVID-19, peçamos ao Senhor a verdadeira prudência, para que o necessário cuidado em não propagar o vírus jamais se torne uma desculpa para que a caridade esfrie. Que nos abstenhamos das situações de risco desnecessárias, mormente em favor dos mais vulneráveis. Entretanto, que não nos fechemos no egoísmo! A compaixão não pode ser posta “em espera”, e o amor é mais forte que a doença e a morte. Que Deus nos ilumine!