Logo do Jornal O São Paulo Logo do Jornal O São Paulo

Migrações na Bíblia 

Setembro é celebrado como o Mês da Bíblia. Do ponto de vista das migrações, cabe perguntar o que diz a Palavra de Deus para quem se põe a caminho, caminho que costuma ser, ao mesmo tempo, a fuga de uma situação de perigo ou carência e a busca de novas oportunidade de trabalho, moradia e pão. Não se trata apenas de recolher trechos bíblicos que façam referência ao migrante, tecendo com eles uma espécie de colcha de retalhos para animar e confortar aqueles que estão envolvidos no fenômeno migratório. Certamente isso é importante e válido, como por exemplo a frase “era migrante e vocês me acolheram” (Mt 25,35). 

Trata-se, também, e sobretudo, de ler todos os relatos e reflexões bíblicos na perspectiva de um povo a caminho. Bastaria confrontar dois trechos do Antigo Testamento que trazem duas versões distintas do que os estudiosos chamam de “credo de Israel”. O primeiro (cf. Ex 3,7-10) afirma que Deus viu a aflição de seu povo… ouviu seus clamores por causa de seus opressores… conheceu seu sofrimento… desceu para libertá-lo… e enviou Moisés para tirá-lo da terra dos faraós no Egito. Cinco verbos nos lábios do Senhor Javé. Enquanto os verbos ver, ouvir e conhecer ajudam a interpretar uma situação de escravidão, os verbos descer e enviar indicam ação transformadora. 

O segundo trecho (cf. Dt 26,5-10) repete o anterior de forma mais elaborada, com vistas ao credo do culto, como vimos. Ambas as citações se referem à experiência fundante do Povo de Israel. Nos dois casos, vê-se que os israelitas, em seu alicerce fundamental como nação, de forma espiritual e teológica, experimentaram um Deus único: atento, sensível e solidário à situação de dor e carência do povo. Javé não somente vê, ouve e conhece, mas também desce e envia seus mensageiros. Trata-se de um Deus que, ao constatar a condição do povo escravo, desce e passa a caminhar com ele pelas estradas do êxodo, do deserto, do exílio e da diáspora. Isso mesmo, com o povo caminha e acampa na tenda da arca. Um Deus a caminho, que se faz migrante com os migrantes. Mais tarde, acompanhará o povo exilado na Babilônia. 

No Novo Testamento, convém ter presente o que os biblistas chamam de “resumo das atividades de Jesus” (cf. Mt 9,35-38). Diz o texto que Jesus “percorria cidades e povoados”, “curava os doentes e enfermos”, pelo caminho encontrava as “multidões cansadas e abatidas” e “tinha compaixão porque eram como ovelhas sem pastor”. O verbo percorrer abre a citação, mostrando o Mestre como um profeta itinerante, o qual já havia nascido durante uma viagem e migrado para o Egito. Diante das multidões prostradas, emerge o sentimento de compaixão. 

Multidões nas quais não é difícil enxergar o rosto dos migrantes e refugiados, os quais despertam a compaixão. Palavra composta: com + paixão. Isto é, estar com na hora da paixão, do sofrimento e do abandono. Conclui-se que o olhar bíblico consiste em uma visão que pressupõe longa travessia. Neste Ano Jubilar, ao lado das vítimas da mobilidade humana, somos todos “peregrinos de esperança” em busca da terra/pátria prometida e definitiva. 

Deixe um comentário