Misericórdia sinodal, caminho dos discípulos missionários 

Igreja sinodal, missionária e misericordiosa – tal discernimento sobre a Igreja, no Documento final (DF) do Sínodo dos Bispos (2021- 2024), com força de Magistério pontifício, faz emergir uma perspectiva metodológica consubstanciada na sinodalidade missionária e misericordiosa (p. ex., DF 29). De certo modo, a ideia de misericórdia sinodal se vale dessa compreensão. A natureza da Igreja, bem como sua finalidade essencial, é missionária. E tanto a sinodalidade quanto a misericórdia a isso se ordenam. “Sinodalidade e missão estão intimamente ligadas: a missão ilumina a sinodalidade e a sinodalidade impele à missão” (DF 32): “A mesa da graça e da misericórdia já está posta para todos e a Igreja tem a missão de levar este esplêndido anúncio a um mundo em mudança” (DF 153). No terceiro milênio, o caminho para o anúncio da misericórdia é a sinodalidade, o que já é autoexplicativo – ainda que em um plano externo – do sentido de misericórdia sinodal. Mas falta destacar a dimensão pneumatológica, que estabelece as relações internas. 

O DF é guiado pelos relatos evangélicos da Ressurreição (cf. nº13): na Parte V, em epígrafe, estão os versículos da aparição do Ressuscitado no Cenáculo na noite de Páscoa, Evangelho que a Igreja lê no Domingo da Divina Misericórdia: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio […] Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). Pois “a missão é anunciar o Reino de Deus, oferecendo a cada pessoa, sem excluir ninguém, a misericórdia e o amor do Pai […] Agora, no Cenáculo, com o sopro do Espírito, começa a nova criação: nasce um povo de discípulos missionários” (DF 140). A formação dos discípulos missionários – em estilo sinodal – começa com a Iniciação Cristã e nela se enraíza (cf. DF 141-142). Aqui transparece o Domingo na Oitava da Páscoa, cujo mistério celebrado é o mistério pascal como mistério da misericórdia divina. A liturgia deste Domingo in albis, fundada na Tradição, torna-se, na Igreja sinodal, um momento privilegiado para a Iniciação Cristã segundo a fé na onipotência da misericórdia divina, “para que todos compreendam melhor o Batismo que os lavou…” (Coleta do Domingo). Até que os discípulos missionários estejam imbuídos de uma verdadeira misericórdia sinodal! 

Nesse contexto de Povo de Deus, “o conceito de comunhão exprime a substância profunda do mistério e da missão da Igreja, que tem na celebração da Eucaristia a sua fonte e o seu ponto culminante, que se realiza em Cristo por meio do Espírito Santo” (DF 31). Sabe-se que o Catecismo da Igreja Católica (CIC) representou um grande avanço em teologia da liturgia ao adotar a doutrina sobre o Espírito Santo de modo transversal: “A liturgia se torna a obra comum do Espírito Santo e da Igreja” (CIC 1091), para que vivamos a vida de Cristo ressuscitado. “O fim da missão do Espírito Santo em toda a ação litúrgica é colocar-se em comunhão com Cristo para formar seu corpo […] Na liturgia, realiza-se a cooperação mais íntima entre o Espírito Santo e a Igreja” (CIC 1108). Ele é um dos celebrantes da “liturgia celeste” de que participamos na “liturgia terrestre” (CIC 1090 e 1139). Ele é “o grande rio da misericórdia, a Fonte que brota e flui incessantemente do seio da Trindade” (Misericordia et misera 25), ou seja, “o rio de água da vida […] um dos mais belos símbolos do Espírito Santo” (Ap 22,1; CIC 1137). Esta concepção trinitária deve orientar o crescimento de uma Igreja sinodal, missionária e misericordiosa, na qual os discípulos missionários tenham o olhar fixo na misericórdia e na beleza do Ressuscitado (cf. DF 1-2). 

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